sábado, 20 de junho de 2020


Henry Chinaski II

para a Cascão,

Sentado ao Sol, como um velho à lareira, recordando nas chamas o calor da juventude,
Lembro-me de ti, longe como um sonho esquecido, lembro-me de ti comigo nas mãos,
Foste a mais inesperada conquista dos meus versos, o teu corpo quente numa noite
Fresca de Agosto, contra a parede sagrada da Igreja, sobre a fraga irmã,
Rasgando os punhos no granito, enquanto saia de ti e me vertia quente na pedra morna,
Outras foram pijamas desviados em cima de mesas, chamadas de recepções de hotel
Que senhoras para subir, indecisões a meio caminho do aeroporto de madrugada,
Com poetas tão reais como o vermelho, outros quartos de primavera na capital
De vestido branco a cruzar e descruzar pernas, enquanto semeava distâncias à janela,
Anos depois de sacudir o futuro no granito entre as tuas pernas, sinto uma enorme gratidão
Por ter tão grande lareira onde posso resgatar-te e ser velho e feliz em silêncio,
Porque os versos me deram algo e até o trazem de volta, porque até vivi.

Turku

17.06.2020

João Bosco da Silva


Impossibilidade de Ser

Cada vez mais difícil o silêncio, a companhia doce das cerejas
No cimo de uma cerejeira, a solidão escolhida no topo de uma fraga,
Apalpando os rumores da povoação em baixo, trazidos pelo vento,
Cada vez mais difícil o Sol apenas, as recordações ainda leves,
Mal tocadas pelas ondas do tempo, parecem impossíveis as carícias
De uma gota de suor percorrendo o flanco, como um arrepio
De primeiro olhar para sempre, impossíveis a pureza dos morangos silvestres
Pela mão do avô manco, agueira acima, nunca mais serei o outro
Que os anos engoliram, dele trago os olhos, mas até esqueci o olhar.

Turku

17.06.2020

João Bosco da Silva


Depois do Fim

Ando há anos cansado do que nunca vivi realmente, a última vez
Em que acordei feliz numa manhã de junho foi quando ia comprar
De manhã, revistas de banda-desenhada no quiosque da terra,
Só nos excessos das noites encontrei algo parecido à paz,
Só no ar quente do fim da tarde reconheço nos cheiros verdes
A verdadeira juventude, antes de me condenar aos desejos pelos outros,
Ainda o negrilho tinha muitos anos pela frente, claro como a primavera,
Agora, só o cansaço, desenterro poemas de outros anos, nunca piores,
Alguns sem terem sequer existido, parece-me que tudo foi apenas um somar
De ilusões até à evidente morte dos sonhos, agora tento morder o ar quente
Desta noite de São João, encontrar nas gengivas a doçura da inocência,
Quero acreditar nos milagres ondulantes das searas, naquelas mamas
Que foram minhas num momento que durou uma eternidade
E nem sequer aconteceu, onde acabei eu, quem me lembra antes do orvalho.

Turku

20.06.2020

João Bosco da Silva