quinta-feira, 14 de setembro de 2023

 

Rantasalmi Express

 

Lembro-me daquela viagem de autocarro,

De Rantasalmi a Savonlinna, depois do trabalho

E de umas cervejas no Kalle-Kustaa,

Lembro-me das suas pupilas dilatadas

Naqueles olhos gigantescos de anime,

No ar uma vontade obvia e silenciosa,

Só a ausência do impulso que empurra ao salto

Tornou aquele momento eterno,

Deixando-o naquele autocarro à beira do abismo,

Hoje passados quinze anos, ela confessa-me

Que tinha um pequeno fraquinho por mim,

Quão pequeno, pergunto-lhe, ao que responde,

Pequeno, tão pequeno que molhei as cuecas,

Não o disse na altura, porque eu diria que não acreditava

E ela teria que me desafiar a comprová-lo,

Se o tivesse feito, hoje, passados quinze anos,

Seria um nome que certamente já me teria esquecido.

 

Torre de Dona Chama

 

23/08/2023

 

João Bosco da Silva

 


Saudação a Anthony Bourdain

 

Aqui estou, sentado neste sofá duvidoso,

Num quarto de hotel barato no centro de Helsínquia,

Com vista para os caixotes do lixo,

Com o primeiro livro do Anthony Bourdain

Como companhia, invariavelmente só, cansado

Como só eu ao acordar, esperando nada mais que

A amostra repetitiva de um bom momento,

A voz de um amigo, que a distância do tempo,

Da vida, torna cada vez mais num estranho,

Só quem parte definitivamente permanece, imutável,

Puro, como as ilusões que ainda vivem em nós,

O telefone toca, está na hora de me levantar deste sofá,

Sacudir as calças, deitar um olhar ao jovem Anthony Bourdain

Eterno na capa do livro, como quem diz um, até já.

 

Helsínquia

 

31/07/2023

 

João Bosco da Silva