sexta-feira, 9 de outubro de 2020

 

Clamídia

 

A vingança é filha da honra, um alívio cuspir na cara

Que acendeu a nossa com a mão, não há corte maior,

Um jogo da sardinha com as palmas a arder e um dente

A abanar, o avô ainda imortal a sorrir com os dentes

De vinho, a tua cona ainda cremosa por outro caralho

E na minha gaita ainda o arrependimento

Da colega de trabalho, o alívio de uma mão vazia,

Os dentes cerrados, no táxi de regresso, naquele

Jantar de ano novo, espero que a azitromicina

Te tenha caído bem, a ti também e a ti que nunca soube

Quem, que logo agora que pensava num filho,

Tenho que esperar pelo que diz o mijo no copo.

 

09.10.2020

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 

USB Cronenberg

 

Para festejar um novo nobel vou tentar meter o USB no slot disponível,

Mas decidiste que ias meter a do anão na cona, porque a minha mais pequena,

E agora tenho três buracos, enquanto já gemes, longe, num quarto extinto,

Onde entrei num cu onde me vim como três vezes, senti anjos saírem da gaita

Dando graças à geada que lá fora iluminava a manhã onde sol de certeza,

Tu gemias desinteressada e eu nem me dava conta que nada daquilo fazia sentido,

Demasiados filmes de David Cronenberg, se calhar uma ménage assim mesmo,

Eu a tentar enfiar a gaita na entrada USB, sabendo que apesar de que menor

Do que a do anão, não tão ridiculamente geometricamente pequena,

Nem cu nem cona, mais uma vez acabei por ter que me assumir encornado,

Nem tive vontade em acordar, mas nunca te conseguirei explicar que a vingança

É uma filha legítima da honra, por isso mergulhei ainda mais no REM

E acordei num quarto às quatro ou cinco da manhã, numa fronteira,

Um ex-quartel da Guarda-fiscal, uns cinco anos depois do big-bang,

E à noite na casa da vizinha espanhola, espreito pela frincha da porta da

Casa de banho, uma velha de uns vinte anos a mijar, que me sorri,

E pega num pedaço de papel-higiénico e esfrega aquele peludo monstro galego,

Belo, abre a porta enquanto fujo para o colo da minha mãe, com medo

Daquela vontade estranha, daquela necessidade de enfiar algo no slot USB.

 

09.10.2020

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 

“Morango do Nordeste”

 

Foi um verão de morangos e gazelas, eu um defunto do primeiro amor,

O ground zero ainda cinzas e gemidos, o amigo brasileiro nunca mais regressará

Depois de um inverno trasmontano, a lua nunca me pareceu tão cheia,

Logo este ano que já não tinha as piscinas pagas pela junta de freguesia,

Tinha que calhar ser filho de autoridade com todos os benefícios

De ser o único pobre salário numa família de quatro, foda-se,

Não bastaram os meus dois amigos com o mesmo nome, o filho

Do barão dos móveis carunchosos, ainda tinha que calhar o baterista

De uma banda nordestina do Brasil, mas era amor, era amor,

E o sonhador era eu, mesmo depois de me ter arrastado do sofá da sala

Para o quarto dela, para ouvir tudo menos aquela música de merda,

Hoje perguntam-me, mesmo enquanto calmamente leio sobre

Uma nova extinção, ou um atentado, ou a reeleição de um presidente,

E olho tudo como o vazio, porquê essa raiva dentro de ti,

Só consigo sorrir e pensar que os morangos que tenho no frigorífico já apodreceram.

 

09.10.2020

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 

Aquela Puta Grega

 

Nunca me fingiu um orgasmo, a sinceridade é como um outono que não acaba,

Agora dorme, se calhar, enquanto bebo mais um Campari com sumo de laranja,

O Hemingway espera numa capa vermelha de 1958, não sei porque esperei tanto

Pelos meus dezasseis anos, não sei porque não vivi mais os meus únicos dezasseis anos,

A amiga da minha irmã com as pernas abertas na cama do meu avô bêbado morto,

Agora ambos a olhar os meus dedos a tirar da cova mais uma mão de terra em direção

Ao inferno, nos pêlos do meu mento a sua excitação viscosa e adolescente,

E todas dormem de certeza, a não ser que um filho acorde, um marido bêbado

Regresse com os dedos azedos e um hálito vermelho, ou já esteja a ressonar

Há horas depois do último jogo de futebol ou de outra merda qualquer

Que iluda como mais um orgasmo, não os nossos, esses estão garantidos

Até nos sonhos, trocamos só a roupa interior, o hálito o mesmo,

Nunca me fingiu um orgasmo, mesmo assim, diz que tenho um caralho perfeito,

Contudo engulo um pouco mais de vitamina c e ecos de escaravelho,

E choro, ressono, bato a porta com força sem querer e sonharei com aquela puta grega.

 

Turku

 

09.10.2020

 

João Bosco da Silva

 

Amor

 

O amor, o amor é sempre o mesmo, seja que aperto seja,

Nas pregas ou nas rugas, o amor é sempre a mesma festa,

Acaba neste verão, no próximo começará outro,

É sempre demasiado curto, como uma noite de arraial quente,

Mas o amor, esse é sempre o mesmo, seja a pele mais morena

Ou a emigrante pálida na procissão do santo da festa,

O amor é sempre o mesmo, como a estrada, as curvas,

As giestas e as testemunhas da fome desse amor ser saciado,

O amor é só fome, às vezes até arroz branco alivia essa fome,

A maior parte das vezes uma grade de cervejas e o ombro

Mais próximo, o resto é paciência, honra ou resignação,

A amor são aquelas curvas na estrada à noite até lá chegar,

Depois é um bar que fecha, um copo vazio, um carro embaciado,

Depois é um verão que acaba, um inverno que chega, sempre o mesmo.

 

Turku

 

09.10.2020

 

João Bosco da Silva