Conversa No Trabalho
Falam fascinados da sua casa nova, o armário que tem três prateleiras e a
Primeira é para escorrer a loiça, o sofá azul e a inesquecível visita à loja de móveis,
Com design sueco e fabricados na China ou em Portugal, onde nascem desejos de
Mais cadeiras (sempre vazias), mais almofadas (que serão só para estar e ocupar espaço),
As janelas, quantas são e a luz que deixam entrar, falam com uma excitação infantil,
Quase me assustam, mas fico na mesma (não me movo por dentro), a olhar para os seus
Gestos exagerados sobre quadrados, acenando que sim com a cabeça como quem ouve e
Compreende, mas não, não compreendo a excitação deles e eles nunca compreenderão
O meu fascínio por outras inutilidades eternas, que me pertencem, mesmo que não as
Possua, mas não hesitam em chamar-me de poeta ou maluco, quando lhes falo do
Aroma delicioso a verde quente das manhãs de Julho(antes de começarem os incêndios),
Ou quando gesticulo como quem pinta numa tela gigantesca com os dedos, apontando o
Crepúsculo pintado a cor-de-rosa, púrpura, cor de laranja e felicidade melancólica de mais um
Dia para mais um dia, ou quando conto como é aquela festa no Inverno com uma fogueira
Enorme e o ar cheio de ancestralidade e paganismo inocente, ou quando lhes explico
Tudo o que aconteceu antes do fumeiro na mesa e me olham chocados, com olhos enjoados
Enquanto os meus brilham com o sangue ainda quente, sem gota do sadismo que eles lêem.
Falam fascinados do seu mundo quadrado, mas eu não consigo vê-lo de outra forma que não
A dele e pergunto-me enquanto falam: anda a gente a trabalhar para encher a vida de vazios?
02.06.2011
Tampere
João Bosco da Silva