Neurofisiologia De Um Poema
“everyday is in eternity”
Allen Ginsberg
Deixar cair, gota a gota negra, a mancha tomará forma,
Alguém a irá ler da maneira que a irá ler, cada um com o seu egoísmo,
Cada um com a sua área de Wernicke a dar corpo visível de olhos fechados,
Pequenas luzes, “small-bangs” do nada que são as palavras,
Quentes e metálicas, solitárias, nunca compreendidas realmente
E por isso umas putas, miserável cão vadio, lixo, lábios rasgados
Num apressado roubo para o vazio de menos um segundo que não se levará.
Deixar cair, deixar correr, sem medo, sem grandes dedos apertados,
Sem grandes olhos no horizonte, tão longe quanto impossível,
Corvos que entram pelas janelas fechadas e se fazem coloridos,
Pintam, água fresca na pele ondulada debaixo da dura mater,
Como se fosse possível tocar-se alguém de verdade,
Como se tudo não passasse de uma masturbação assistida,
Ao lado, enquanto os olhos se fecham e nem se vê o som da boca
Que auxilia, tudo parte de dentro para dentro e há quem diga,
Sou um pedaço de merda, mas eu quero três mais três mais três,
E isto faz sentido num mundo que ninguém saberá ler,
Não como os que iludem com a aparente semelhança, linguagem universal,
Só aquela que ensinam os sonhos, vestido azul-turquesa e o cabelo loiro
Da pele artificialmente morena pelo Sol deslocado da Tailândia,
Com fome límbica e um salto para outro estado de consciência
Quando o cabelo ruivo incomoda na almofada,
Alguém puxa o autoclismo e esquecem-se os desejos do momento.
Deixar cair, oxitocina e nada mais que um excesso dela ou sensibilidade
E no fundo tudo o que se quer evitar é o que mais atrai, cérebros primitivos
Engolem tudo numa simplicidade objectiva, estar dentro, ser penetrada,
Expelir, comer, dormir, palavras e mais palavras e quem quiser,
Quem conseguir, quem acreditar que as torne em deus, amor e espírito,
Verdade de sumo quente a explodir dentro como se fosse uma vida nova,
Uma estrela que morre, um buraco negro que atalha até ao outro lado,
Enquanto tudo um instrumento musical num quarto vazio, onde dizem
Que dorme deus ou uma consciência de arquitecto, como se tudo
Não fosse apenas um acaso possível dentro do infinito de possibilidades
Até se deixar de ver a linha como um ponto um ponto um ponto,
Deixar correr, livremente, sangue de outra cor, a cor que se quiser,
Quem quiser querer seja o que for, até chegar a hora que é sempre a mesma
E só a consciência do relógio viscoso torna o tempo possível
Em direcção, em direcção e isso é tudo.
19.03.2011
Turku
João Bosco da Silva