segunda-feira, 12 de abril de 2021

 

Abaixo de Inferno - Haikus

 

Mesmo longe

tenho tudo

comigo.

 

 

Somos um eco grotesco

da criança

que fomos.

 

Trazido de sonhos

adolescentes

aquele vestido branco.

 

Mais um cabelo cai –

que recordação

se esqueceu?

 

Há quantos anos

dura

este outono?

 

Há meses este nevoeiro

este silêncio

lento que asfixia.

 

A luz fria das lanternas

na tarde escura –

Novembro.

 

A parede vazia espera

os passos

que não se deram.

 

Da árvore nua

nada cai

só o cinzento permanece.

 

Suspenso no céu

um silêncio

de chumbo.

 

O poema veio

do sonho

que veio do poema.

 

Dois planetas se alinham

no céu

a mesma bruma.

 

No céu encoberto

dois planetas

se alinham.

 

Sem grandes esperanças

engulo o chá verde

já morno.

 

Vindo de Quioto

o chá verde

aquece-me o inverno.

 

Há quanto tempo

não olho a Lua

sobre as árvores nuas.

 

Como uma mulher

que nos amou

o Sol encoberto.

 

Roupa estendida

à geada –

amanhece.

 

Esta aldeia é apenas

distancia incerta

e saudades.

 

Olha a árvore de plástico

como uma lareira

distante.

 

Como pode acabar o ano

se ninguém

acender a grande fogueira?

 

Aproximo-me do poço gelado

apenas o silêncio

salta.

 

Desenterrar o passado

para ir aguentando

o longo inverno.

 

Respirar fundo

o silêncio da rua –

noite de Dezembro.

 

Demora em cair a neve

cada pensamento

pesado e cinzento.

 

Numa mesa silenciosa

arrefecem

vários pratos de arroz doce.

 

Enterrada no musgo

uma bota de pele

calcinada.

 

Quando regressar

quem saberá ainda

o meu nome de infância?

 

Quanto terá subido

o rio da minha terra

este ano?

 

Esfrego a sertã

e já digiro

a carne que aqueceu.

 

Na sertã que esfrego

a gordura da carne

que já digeri.

 

Muda-se a água

ao bacalhau –

a mesma distância.

 

Em cima do tanque

abandonado

vasos floridos.

 

Começou o ano

o champanhe

já quente.

 

A neve que caiu

derreteu –

continua a nevar.

 

Chuva batendo na lona

numa noite quente –

a tua pele.

 

Primeira cerveja

numa tarde de verão –

a sede dos teus lábios.

 

O teu reflexo no espelho

distantes lábios

que me engoliam.

 

Engulo o chá

quente

acabo o poema.

 

Num canto do parque

vazio

a neve permanece.

 

Veste-se de branco

a nudez

crescem os dias.

 

Acabo o livro

e dou-me conta

do silêncio.

 

Sobre figos podres

voam

as vespas.

 

Primeiro assassinam-te

depois enterram-te

como um herói.

 

Duas lágrimas nos olhos

duas lágrimas baratas

um herói.

 

A gaivota pigarreira

o verão existe

ainda no gelo.

 

Que esperas

barco perdido

do abandono de deus.

 

Dado com pena

o whisky

sabe a piedade.

 

Os deuses percebem

tudo o que seja

do interesse do rei.

 

Os pêlos multiplicam-se

os anos encolhem

somos nós.

 

Sonhar um hospital

impossível –

acordas para ir trabalhar.

 

Chupa-me os pentelhos

do cu amor

dos dias frios.

 

Os filhos de um rei

morto –

acordar de mãos vazias.

 

Se calhar amanhã

o médico dirá –

palavras contadas.

 

Na incerteza

vives tanto

quanto nas palavras.

 

Whisky barato

dado com amizade –

noites brancas.

 

Deus o silêncio

e o vazio –

um barco à deriva.

 

Estas palavras

tão vazias

quanto o futuro.

 

No glorioso topo

de um monte –

que fiz realmente da vida?

 

Há sempre uma loira

e um cesto da fruta

no desespero.

 

Na parede

uma onda diferente –

a mesma água.

 

Engraçado o vazio

enquanto abraças

a noite.

 

Quem me chorará

quando os dentes

ainda arreganharem?

 

Na fogueira que se extingue

dois homens

falam de amor.

 

Sentes a chuva

nos dedos –

acordas.

 

Sinto nos ossos

o fim –

abracem o destino.

 

Deixa o estômago

morrer antes

do fim do desespero.

 

Inspira e expira

barcos

naufragam.

 

Cobre-se o coração

de terra –

dia mais escuro.

 

Será o próximo

passo

o último?

 

Será sempre

último

o próximo passo.

 

Só os vivos

se despedem –

neva.

 

A tinta acabou

tantas páginas

em branco.

 

Que cansaço

nos escreve

os destinos?

 

As lágrimas

a carne

tudo a terra engole.

 

Porque cai

a fruta

antes de amadurecer?

 

Essa companhia

e prisão eterna –

a madeira.

 

Regressar

ao mesmo vazio –

pôr do Sol de inverno.

 

Fecho os olhos –

terra húmida e fria

no olhar do meu irmão.

 

“Deixa os mortos

em paz” –

diz minha mãe.

 

Que palavras capazes

realmente

de salvar?

 

Enchem-se as ruas

de silêncio gelado –

enterraram o meu amigo.

 

Brancas as ruas

como o silêncio

que bate.

 

Apagas a luz

e sais –

fica o silêncio.

 

Oferecer apenas

a beleza inútil

do poema.

 

A neve iluminada

pelo Sol sorri –

vinte e dois graus negativos.

 

Impossível de calar

este silêncio –

tarde gelada.

 

No poste da bandeira

bate a corda

gelada.

 

Apesar do frio gelado

corre a água

no ribeiro.

 

Primavera no cemitério

cresce a erva

nas campas.

 

 

Dezembro 2020 – Janeiro 2021

 

João Bosco da Silva