sábado, 10 de agosto de 2019

João Bosco da Silva

Um Tropeço nos Dias Quentes

poesia
Enfermaria 6, Lisboa
Julho de 2019, 108 pp
Capa de Gustavo Domingues E StudioPilha

10€ 


Lisa

Quando Lisa me disse que tinha feito amor
com outro, na cabina telefónica vazia daquele
armazém da Tepeyac, cri que o mundo
se me acabava. Um tipo alto e magro e
com o cabelo comprido e uma gaita enorme que não esperou
mais de um encontro para penetra-la até ao fundo.
Não é algo sério, disse ela, mas é
a melhor maneira de tira-te da minha vida.
Parménides García Saldaña tinha o cabelo comprido e poderia
ter sido o amante de Lisa, mas alguns
anos depois soube que tinha morrido numa clínica
psiquiátrica,
ou que se tinha suicidado. Lisa já não queria
deitar-se com mais falhados. Às vezes sonho
com ela e vejo-a feliz e fria num México
desenhado por Lovecraft. Escutamos música
(Canned Heat, um dos grupos preferidos
de Parménides Garcia Saldanã) e logo fizemos
amor três vezes. Na primeira veio-se dentro de mim,
na segunda veio-se na minha boca e na terceira, apenas um fio
de água, um curto fio de pesca, entre os meus peitos. E tudo
em duas horas, disse Lisa. As duas piores horas da minha vida,
disse desde o outro lado do telefone.

Roberto Bolaño, trad. João Bosco da Silva