A Farmácia
Fechou Na Savana
Entretanto a
farmácia fechou e eu ficarei mais um dia sem os comprimidos para a cabeça,
Fiquei a
tarde toda de olhos fechados contra o tecto, a ver elefantes atravessando rios
exaustos,
Esqueci-me
de ter fome, distraído pelas hienas que me atravessam como um caminho,
Ignorando-me
num fingimento de desdém que levam no lombo, espero-lhes os gritos
À noite, à
noite gritam em todas a línguas e prometem a eternidade entre os dentes
E eu debruço-me
sobre a almofada e deixo-me ser devorado por trás, como não deve ser,
Diz-me o
catecismo, apesar de nunca tal ter lido a não ser na moral dos outros, que me
Emprestaram até
ouvir o burro de Zaratustra a acordar a aldeia para o azul da madrugada,
Naquele
Verão onde chovia do tecto frustração líquida e unhas desesperadas na carne
faminta,
E agora
pergunto-me se valeram a pena aqueles olhos azuis, se os cinzentos foram mesmo
Uma
consequência da má disposição do céu, para no fim a verdade estar ali, debaixo
de um castanheiro,
Coberta de
orvalho, ou a urina de um lobo que por ali passou esquecido de se extinguir
Nos dentes
de ferro ou num granizo de chumbo, e os elefantes levam pedaços de mim,
O rio quase
um desmaio e árvores trazidas do génesis a confundirem-se com os crocodilos
À espera da
estupidez de mais uma sede incauta, fazem-me lembrar a parede da igreja lá da
terra,
Onde se
sujam almas por fora, entrando-lhes dentro, só o olhar perplexo no reflexo dos
olhos
De um
babuíno à chuva me desperta para a minha falha, a farmácia já fechou e a
serotonina
Continua a
ser pouca no rio, mesmo assim as moscas ainda insistem em lamber as lágrimas
crónicas
Dos olhos
dos órfãos, os hipopótamos não perdoam uma invasão de propriedade
E o castigo
é fazer a vida ignorar a tua existência, dizem que lá longe, numa montanha,
entre duas
Menores,
para a eternidade, um miúdo de cinco anos, toma conta do gado mais seco que
O estrume
com que acendem o lume, e eu tenho ciúmes daquele gado, por ter alguém que olhe
por ele.
14.12.2012
Turku
João Bosco
da Silva