sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


A Farmácia Fechou Na Savana

Entretanto a farmácia fechou e eu ficarei mais um dia sem os comprimidos para a cabeça,
Fiquei a tarde toda de olhos fechados contra o tecto, a ver elefantes atravessando rios exaustos,
Esqueci-me de ter fome, distraído pelas hienas que me atravessam como um caminho,
Ignorando-me num fingimento de desdém que levam no lombo, espero-lhes os gritos
À noite, à noite gritam em todas a línguas e prometem a eternidade entre os dentes
E eu debruço-me sobre a almofada e deixo-me ser devorado por trás, como não deve ser,
Diz-me o catecismo, apesar de nunca tal ter lido a não ser na moral dos outros, que me
Emprestaram até ouvir o burro de Zaratustra a acordar a aldeia para o azul da madrugada,
Naquele Verão onde chovia do tecto frustração líquida e unhas desesperadas na carne faminta,
E agora pergunto-me se valeram a pena aqueles olhos azuis, se os cinzentos foram mesmo
Uma consequência da má disposição do céu, para no fim a verdade estar ali, debaixo de um castanheiro,
Coberta de orvalho, ou a urina de um lobo que por ali passou esquecido de se extinguir
Nos dentes de ferro ou num granizo de chumbo, e os elefantes levam pedaços de mim,
O rio quase um desmaio e árvores trazidas do génesis a confundirem-se com os crocodilos
À espera da estupidez de mais uma sede incauta, fazem-me lembrar a parede da igreja lá da terra,
Onde se sujam almas por fora, entrando-lhes dentro, só o olhar perplexo no reflexo dos olhos
De um babuíno à chuva me desperta para a minha falha, a farmácia já fechou e a serotonina
Continua a ser pouca no rio, mesmo assim as moscas ainda insistem em lamber as lágrimas crónicas
Dos olhos dos órfãos, os hipopótamos não perdoam uma invasão de propriedade
E o castigo é fazer a vida ignorar a tua existência, dizem que lá longe, numa montanha, entre duas
Menores, para a eternidade, um miúdo de cinco anos, toma conta do gado mais seco que
O estrume com que acendem o lume, e eu tenho ciúmes daquele gado, por ter alguém que olhe por ele.

14.12.2012

Turku

João Bosco da Silva