domingo, 10 de março de 2019

Deixa-te Ficar Antes Do Esquecimento 

Dizem que fugiu para uma aldeia do sul de França com uma mulher casada, 
Tinha-a deixado há meia vida atrás, como aos chás do Em Busca do Tempo Perdido, 
Agora passa as manhãs à espera do pão quente enquanto arrefece na cama 
A dor de cabeça do vinho da noite anterior, passa as tardes a contar os barcos 
Que regressam como as memórias de tudo o que deixou por aquele horizonte, 
Com o mesmo livro ao colo, à espera do regresso daquele vestido florido, 
Pedalando o brilho da maresia, não é infeliz e isso basta-lhe, 
O que ficou por fazer noutros mundos, noutras vidas, não era para o que se tornou, 
Dizem que não faz mais nada a não ser plantar papéis gatafunhados debaixo 
Da macieira no jardim que às vezes cuida, às vezes a sorte cuida, 
Têm um gato tão inútil quanto ele, tão sábio quanto ela, 
Dizem que a coisa não irá durar como sempre, mas ele continua a contar as estrelas, 
Com ela, embalados por mil grilos, o mar que devolve os sonhos esquecidos, 
Aprenderam a abraçar-se com silêncio, também há amor quando se espera. 

10.03.2019 

Turku 

João Bosco da Silva