quarta-feira, 30 de novembro de 2011


O Vaguear Do Fumo Imaginário



“Mas que vontade de ter pecado. De pecar. Como assim: de viver”


Luiz Pacheco



Agora quero um cigarro para este desconsolo, da vida quero tudo sabendo que mais perto

Do nada, tenho pena de cada segundo em que não peco, sinto-os como desperdício e no fundo

Tenho uma vontade visceral de me encontrar contigo num monte de terra, entre quatro paredes

Brancas, com o cheiro dos lagares lavados, das fogueiras que aquecem os alambiques e aguardente,

Mas nem tu reparas nas abelhas, no arbusto ao lado do portão que é cada vez menos verde

E torna-se ferrugem, como os ossos da gente, nem elas se dão conta da tua presença, morto,

Apesar de me ser impossível imaginar-te deitado, num caixão, de olhos fechados e apagados

E provavelmente, com a carne já a ser cada vez menos tu, tu, tu que dependes de nós agora,

Que não abelhas para te fazer existir, somos as testemunhas de que foste um dia, e no final

Todos abelhas ou o bagaço amontoado para estrume, depois de ter sido espremido até ao tutano.

Se soubesse que a vida isto, quando era dono de uma eternidade que não reconhecia,

Talvez por tomar como garantida, não faria nada, porque me seria impossível, talvez um cigarro

E no entanto estaria a fingir menos um segundo, porque todos foram meus, até me tornar

Uma ampulheta de grãos de tempo, que desconhece o volume e às vezes tem vontade de ser vazia,

Só por haver tanto para tão pouco, tão pouco para tanto, nesta puta desta existência,

Dependendo dos dias, dos anos, do lugar, do único destino possível que são todos

Pelas estradas quânticas, eu vou por aqui e serei o que tu és quando fores por aqui, nunca serás

Quando, ou és quando, quando nunca por aqui e tudo isto é o fumo de um cigarro imaginário,

Em cima de uma árvore estranha, num país estranho, com gente estranha que é gente,

Com outras fomes, outras sedes, outros destinos além da morte, o mesmo estômago,

As mesmas cores, até os cães ladram da mesma forma e algures os sinos daquela aldeia

No dia do teu funeral, tu morto, eu longe, longe de mim, longe de estar longe, só, aqui, a secar,

Enquanto me debato com o resto de uma moral resíduo, inútil e castradora, que torna a vida

Amarga, menos importante que a imagem que se dá na passagem e aos mortos tudo se perdoa,

Menos a própria morte, mas aí a culpa é de deus, como se ele fosse a limitada carne que somos.





30.11.2011



Turku



João Bosco da Silva