terça-feira, 16 de janeiro de 2024

 


Aquele Outro Porto

 

O Porto tornou-se numa recordação coberta de bruma,

Numa manhã cinzenta de Janeiro, ecos diluídos pelo tempo,

Aquele preservativo usado ao virar da esquina,

A colega que aos poucos se solidificou numa personagem

Tão real como a de qualquer filme daquela época,

Rua do Almada acima pela mão do namorado cabeludo,

Segurando uma garrafa de vinho, eu a fazer-me tão invisível

Quanto julgava ser, mais uma loja de ferragens ou segunda mão,

O drogado à entrada do Pingo Doce, à hora do almoço,

Eu de pizza no saco e moeda pronta no bolso para pagar portagem

E um obrigado doloroso, um quase amigo, aquela Ribeira

Tão imensa à beira de todas as decadências possíveis,

Tão sombria em olhos inocentes ao pó da história,

Aquele Porto do tamanho da maior cidade do mundo,

Não fosse o refúgio dos amigos da terra, que traziam os dias quentes

E as últimas gotas de felicidade, numa cidade, onde julgava

Ter encontrado o seu fim absoluto, teria asfixiado o verde restante,

Aquele Porto eco, neste Porto que por vezes revisito

Com certa alegria, eu tão estrangeiro como ele e quem nele

Agora vive emprestado, agora como uma velha amante que não se toca

Há anos porque a nossa idade domou o desejo ou o calcificou

Numa estátua inerte e tosca, de quem olhou para trás com saudades do pecado.

 

10/01/2024

 

Zurique-Helsínquia

 

João Bosco da Silva