quarta-feira, 28 de setembro de 2022

 


As andorinhas de Dubrovnik – Haikus

 

 

Ser um estranho

entre paredes

tão familiares.

 

Lavanda nas tendas –

longe o jardim

de minha mãe.

 

O destino

de todos os desencontros

aqui também.

 

Regressar de onde

nunca

se partiu.

 

Três vezes tocado

por um sol estrangeiro

de avelã.

 

O teu sorriso

as andorinhas de Dubrovnik

ao pôr do sol.

 

Setembro 2022, Dubrovnik

 


Leveza

 

Às vezes leio coisas, que me sabem a um copo com gelo,

Só isso, aquele ar frio, entre os cubos,

A gente gosta de não sujar os dentes,

Eu prefiro beber a coca-cola pela garrafa,

Sentir o vidro fresco e as bolhas subir ao nariz,

Como quando tinha seis anos e ia visitar

O meu pai ao posto da guarda-fiscal

E o mundo era do tamanho do desconhecido.

 

Dubrovnik

 

24/09/2022

 

João Bosco da Silva

 


Tempestade na Cidade Velha

 

Desabava a sede toda nas pedras polidas da cidade velha,

As escadas jesuítas pela primeira vez vazias, a americana

Ao meu lado, de pés molhados como tudo,

Perguntava-me se não queria uma foto lá,

Digo-lhe que não como um adolescente,

Nova Iorque tão longe e isto tudo tão estrangeiro

Como a juventude, tão evidente quanto a linha

Do seu maxilar polaco, inglês, treinado por uma língua cosmopolita,

Eu um rústico provinciano de um império arruinado,

Lado a lado os dois tão distantes, debaixo do tolde de um restaurante

Fechado, esperando um momento certo ou que a chuva pare.

 

Dubrovnik

 

26/09/2022

 

João Bosco da Silva

terça-feira, 20 de setembro de 2022

 

Regresso ao Fim do Verão

 

Nem sequer me lembro da última vez em que te vi,

Sei que foi também a última em que fodemos,

Acho que terminava o verão e o vento da serra

Estava fresco, os grilos quase todos em silêncio,

Testemunhas que já esqueciam as canículas que secaram

O restolho e amadureceram as uvas, trazias uma casaca

De ganga azul, que logo tiraste mal entraste no carro

E te sentaste no banco ao lado, era sempre assim,

Mesmo que acabássemos nos bancos traseiros,

Passando lenços de papel no arrependimento

Ainda quente de um sufoco necessário, que logo atirávamos

Nas margens da noite, um de cada janela,

Mensagens na perdição para o esquecimento,

Passaram então quinze anos, aproxima-se esse fim de verão

E dou-me conta de que, afinal, ainda me lembro

Bem da última vez em que te vi.

 

24/25-08-2022

 

Ar-Torre de Dona Chama

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 19 de setembro de 2022


 

Bagos de Bastardo - Haikus

 

 

Nas folhas da videira

o reflexo da canícula –

silêncio no poço.

 

Com esta mão partida

ao que soarão os grilos

dos meus versos?


À volta da ermida

os toalhetes

dos encontros furtivos.

 

Quase impercetivelmente

a leve brisa e o tempo

arredondam as fragas de granito.

 

Arredondadas pelo tempo

e a leve brisa

as fragas de granito.

 

Há mais vento

quando passo

por choupos.

 

Quando passo

por choupos

há mais vento.

 

Gosto de me sentar

no silêncio do granito

ao vento.

 

Ah o som do vento

no granito

esculpido por milénios.

 

Como um beijo

de despedida

último sol de Agosto.

 

Nas silvas

do dólmen

a pena dum corvo.

 

Que rápido secaram

as amoras

dos caminhos.

 

Em cima da fraga

espero a tempestade –

vento de Setembro.

 

Chegará a tempestade

que o vento de Setembro

anuncia?

 

Semeadas de vazio

as casas onde

a ruína cresce.

 

Na muda presença

é onde habita

o maior silêncio.

 

Branco ainda

este sol

de Setembro.

 

Nas folhas da couve

brilham

refrescantes pérolas.

 

Bastou uma noite

para terminar o desassossego –

palha molhada.

 

Um banquete para pegas

e javalis

a vinha do meu avô.

 

Setembro –

do mosto

apenas uma memória.

 

Logo abraçam

as silvas

a fertilidade abandonada.

 

Onde crescem agora silvas

batiam-se

por um marco tombado.

 

Vinhas perdidas

lapides tombadas

eis o legado.

 

No meio do caminho

para a vinha perdida

cresce a videira brava.

 

Uvas da vinha velha

amoras dos caminhos

pequeno-almoço do poeta.

 

Na sua breve vida

o que teme

a borboleta?

 

À beira do rio

sentado

só eu passo.

 

Pequenas bolhas

o rasto do caminho

da lontra.

 

Açafrão do prado

no caminho –

aproxima-se chuva.

 

Nos bagos do bastardo

a doçura

das tuas mamas.

 

Setembro

regressam as moscas

do inferno.

 

Tarde de Setembro –

do que se despedem

os ramos da oliveira?

 

 

 

Agosto-Setembro 2022

 

Torre de Dona Chama-Cidões-Sabrosa

 

João Bosco da Silva

sexta-feira, 9 de setembro de 2022


Sebastião Alba Debaixo da Figueira

 

para o meu compadre,

 

Lembro-me bem daquela tarde em Setembro,

As moscas raivosas regressavam todas de um longo inferno,

Debaixo da figueira, a garganta ainda seca da aguardente do tio Messias

E da janela do quarto aberta para ouvir raras sinfonias de eternidade,

No colo, ao lado de um ou outro figo já seco caído, os versos de um conterrâneo,

Atropelado pela pressa, de quem cego, leva a vida carregando ilusões ao lugar comum,

Bem me lembro de te encontrar a ti também, naquelas palavras emprestadas,

Como se a dor irmã, nesta mesma terra cansada de partidas e violentas canículas,

Que bem que me lembro daquela última tarde, ainda o livro no meu colo,

Onde também a companhia do teu eterno silêncio, que agora desembaraço neste poema.

 

Torre de Dona Chama

 

09/09/2022

 

João Bosco da Silva


Sentado ao Fresco


Sentado ao Fresco

 

Morre-se tantas vezes, como daquela vez

Em que ouvimos pela última vez os grilos,

Numa noite em Agosto, na varanda,

Em casa do teu melhor amigo das férias

E a mãe dele relembra, com saudades

De quem se olha ao espelho e não reconhece

O vazio das ruas do bairro, onde há uma vida,

Há tão pouco tempo, pés davam os primeiros

Mil passos, nos paralelos rasgados pelo abandono

E o esquecimento dos primeiros figos maduros.

 

28.08.2022

 

Torre de Dona Chama

 

João Bosco da Silva