segunda-feira, 3 de maio de 2021

 


À Beira da Distância

 

Terei apenas eu vivido aquelas noites de primavera

À beira do rio, terão os teus gemidos, sido ecos

Da minha solidão na terra que arrefece, enquanto

Todos os insectos anunciavam a sua vida

E as aves faziam declarações de amor e medo,

Terá o sal da tua pele sido apenas o reflexo

Da minha sede, o teu olhar, o luar de quem

Procura o vazio e a companhia do silêncio?

 

Torre de Dona Chama

 

30.04.2021

 

João Bosco da Silva

 


Primeira Cerveja

 

Naquela noite fui-me deitar sem lavar os dentes,

Queria levar para os sonhos aquele sabor adolescente

Que se abriu para mim, aqueles lábios marinados

A tarde toda no rio Tuela, enquanto os grilos prometiam

Acender todas as estrelas à noite, gravava na minha incerta

Eternidade, aquele sabor magnético, que procuraria

O resto da vida, para me esquecer um pouco

Da manhã em que não amanhecerei.

 

Cidões

 

27.04.2021

 

João Bosco da Silva

 


Outro Aniversário

 

“Já sou velho e nunca escalei o monte Fuji.”

Yasunari Kawabata

 

Em mais um ano acumulado nos ossos, nenhuma certeza se renova,

Somos apenas a distância que percorremos, no nosso pó futuro,

Tenho-me procurado longe, contudo, fiquei todo por onde passei,

Nas mulheres que amei, nas que apenas penetrei com tudo o que era

E não era grande coisa, somos um longo rastro de lesma,

Que as primeiras chuvas de outono apagam, como a sede do desejo,

A fome dos sonhos, o nosso nome das memórias dos que ficam.

 

Espanha? (Ar)

 

02.05.2021

 

João Bosco da Silva

 

Hotel Aeroporto

 

Neste quarto de hotel, espero a madrugada, nada mais,

O tempo passa, não durmo, dou voltas na cama vazia,

Enquanto giro sobre mim mesmo na escuridão mais profunda,

Vou olhando para o relógio, confirmando o tempo perdido

E a insónia, não sonho, não sinto nada além de um desconforto

Pesado e vazio, espero a madrugada e enquanto isso,

Vivo já todos os possíveis fracassos futuros, tão reais

Quanto o dia que acabará por nascer nos números do relógio.

 

Helsínquia

 

19.04.2021

 

João Bosco da Silva

 

Distância

 

Dizes que te apaixonas com demasiada facilidade

E que são breves essas paixões, dormiste com uma equipa

De hóquei, mal tinhas dezassete anos, os teus olhos

Têm a cor do desejo ou um castanho dourado, não sei,

Não fossem estes cabelos brancos e não teria vergonha

De me iludir, peidas-te e arrotas e desejo-te como o sol

Da manhã nos morangos à beira do rio na primavera.

 

Mar Báltico (Ar)

 

19.04.2021

 

João Bosco da Silva

 

Amanhecer no Aeroporto

 

Depois de se ter anunciado, o Sol finalmente aparece,

Por cima da floresta que rodeia o aeroporto, não sei

O que tanto se espera, se a partida, se o regresso,

A primeira é uma constante e o último uma impossibilidade

Para a percepção linear do nosso universo gelatinoso,

O sol mostra-se agora quase inteiro, o mundo boceja,

Nasce mais um dia, um dia, este dia a eternidade.

 

19.04.2021

 

Helsínquia

 

João Bosco da Silva