Conta-me outra vez essa história, pela milésima vez, conta-a
com todos os pormenores,
Conta-me essa ou outra que também já sei de cor, eu serei
todo interesse e se tiver que ser vida
Conta o que quiseres, mas não te cales, nem me faças
encontrar na tempestade outras razões
Além de alterações de pressão, baixas de temperatura, a
atmosfera ionizada e pronta para
Um pranto que não tem nada a ver com o que me obriga a
escrever ou a chorar quando o papel
É outro e a solidão permite extremos, conta-me outra vez
essa história, ou aquela outra, tanto faz,
Conta enquanto tento encontrar o teu cheiro na terra quente
molhada, a tua companhia num
Copo de vinho, custa-me que o mundo o mesmo e nada igual,
antes de ti também tristeza,
Lugares vazios à mesa, mas nunca o teu, o meu mundo nunca
antes de ti, por isso que interessa,
Os ciclos passavam por ti e a tua vida uma rotina ao seu
ritmo, todos os anos encerravam-se neles
Mesmos e pariam outro, para engordar até lá para Dezembro e
tu como quem conta no fim
Do jogo da sueca, contavas sem saberes sequer escrever o teu
nome na inutilidade dos papéis,
A tua realidade feita de terra, mau tempo, pedras, madeira,
castanhas e vinhas, a verdade
Longe da especulação que queima séculos de suor, mas não
tens que escrever nada, conta-me mais uma vez,
Como foi arrancar o espigão de um escorpião com as unhas,
como foi vingares-te do Buthus ibericus
E a que sabe a dor da sua picada, conta-me em que pensavas
enquanto sangravas na cama
E os teus filhos pequenos não esperavam que tu mais de
oitenta um dia, por um pedaço
Tão pequeno de metal, até o homem mais forte é facilmente
travado por um pedaço
De algo que pára as engrenagens do relógio da vida, e pára e
parou, conta-me pelo menos,
Como foi daquela vez, em que fechaste os olhos e fizeste
acreditar a todos, menos a mim, que morreste.
13.07.2013
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva