segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Óculos 

Não deve haver nada mais vazio que os óculos esquecidos, 
De alguém que acabou de morrer, ali abandonados, 
Em cima de uma mesa de cabeceira, já sem cama ao lado, 
Aqueles óculos que tanto viram, ou deram a ver, 
Os pecados que comungaram, a última impressão digital numa lente, 
Que ninguém irá incomodar, ninguém os quererá herdar 
Caso os anos acertem nas dioptrias, o que terão focado, 
Uma última vez, aquele tecto de agonia, um estranho 
Que tenta roubar mais uns minutos à morte, para nada, 
Um medo que se aceita porque não pode ser já, 
Que dirão no trabalho e a mulher já anda a preencher vazios 
Antes ainda dos óculos na mesa, esquecidos, inúteis, 
Um mundo que se acaba quando perdidos em vida, 
Agora em cima da mesa quando uma vida se perdeu no mundo. 

Turku 

30.06.2019 

João Bosco da Silva