sábado, 22 de janeiro de 2022

 

Ómicron

 

O teste é chinês e o segundo tracinho é ténue,

Dizem que mesmo assim, é positivo, quase um

Nadinha de traço, o vinho é da bairrada, a uva é baga,

Mais um número para meter medo ao susto,

Amanhã logo se vê, para já segue o tinto

Que me leva a Setembro de outros anos,

Na garagem onde fermenta o vinho no lagar,

Sem adições de coisa nenhuma, sem medos,

Ali no escuro, fecha a porta, dizia o meu pai,

E em silêncio, onde se penduravam em Dezembro

Os porcos limpos, o açúcar a tornar-se em felicidade,

O segundo tracinho é um quase nada,

A garrafa durará o que durar, haja copo e sede,

O bagaço fertilizará a terra e as couves,

Já em Dezembro, estarão prontas para a geada.

 

22.01.2022

 

Turku

 

João Bosco da Silva

 

Despertar

 

Dizes que me sentes pulsar dentro do teu cu,

Aí verto o sangue turvo dos dias parados,

E saio refrescado, ofegante do mergulho,

Não demoro em adormecer, um sonho vazio,

Até ao arranhar dos limpa-neves na manhã branca,

E acordo com uma fome de veludo,

Os lábios ainda manchados do velho tinto,

Regressas do banho, como se houvesse sol no dia,

Mas o dia cinzento, e sobre o meu corpo,

Nua, sinto o mundo que me aceita,

Cabelo lambido por cabras, hálito de pesadelo,

Eu inteiro, imperfeito e em queda.

 

Turku

 

22.01.2022

 

João Bosco da Silva