quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Tristessa 

A tristeza é um lugar de onde não se foge, habita os ossos, 
Dos poetas e dos bancos vazios do café da aldeia, 
É um mês que se odeia e dura mais que os anos, 
É uma sede ao acordar numa manhã gelada, 
É a roupa geada no estendal enquanto alguém acende o lume, 
Não se apaga com beijos, ignora-se apenas enquanto 
O Sol se põe na Acrópole em tons púrpura de eternidade, 
A tristeza é a cor perdida das estátuas clássicas, 
É o amor frio, que espera na cama o primeiro toque, 
É o primeiro olhar que nunca se repete,  
A cegueira que o nevoeiro dos dias injecta na alma, 
A tristeza é um poema enquanto a música acaba 
E fica só o silêncio e as palavras à espera de um leitor 
Que não diga, valente merda, mesmo que o seja, 
É o cheiro a cera e flores podres num cemitério minhoto, 
É a vontade de tudo em tempo de nada, mãos demasiado vazias 
Para a eternidade possível das palavras, 
É o nome de uma prostituta pela qual Kerouac se apaixonou, 
A tristeza é uma piscina pública no Inverno e o seu silêncio 
Frio de folhas castanhas sobre o azul impossível do Verão, 
A tristeza é a caneca vazia e o frigorífico cheio 
E a certeza que amanhã será mais um dia triste. 

Turku 

05.12.2019 

João Bosco da Silva 
Casa de Madeira  

A morte deve ser isto, uma casa onde vivemos há muitos anos, 
Completamente vazia de nós, um mundo que continuou, outras vidas 
A tornaram num lar, de nós nem um eco, todos os objectos 
Dos nossos dias espalhados como o esquecimento, alguns perdidos, 
Para sempre como as memórias dos que ficam, do amor 
Nada ficou, nem uma lágrima, nem um gemido, a cama outra, 
Da janela vejo que a sala uma estranha, a luz está acesa, 
Estranhos conversam, eu na verdade o estranho confrontando 
A morte pela janela de uma casa que foi minha enquanto 
Paguei a renda, foi nossa enquanto te amei, onde escrevi poemas, 
Onde te trai, mas só no sofá emprestado da tua amiga, 
Nunca na nossa cama, que também um instrumento de morte, 
Onde recebeste homens que eu via pela mesma janela, 
Quando pensava em te visitar com vontade de cemitério, 
A nossa casa com lareira, onde tudo ardeu sem qualquer violência, 
Pois nada queima como o tédio e o Inverno é a pior época de incêndios, 
Que outras vidas depois desta, na mesma casa de madeira, 
Onde já se morreu de verdade e cem anos não são nada, 
As janelas duram a eternidade de uns tempos, os sonhos nem tanto, 
A morte deve ser isto, uma casa onde vivemos há muitos anos. 

Turku 

05.12.2019 

João Bosco da Silva