sábado, 23 de junho de 2012


Presságio Após Insónia E Saudades

“It´s the ability to commit to writing, to write, the same way that you…are! Anyway!”
Allen Ginsberg

Começa como todas as obsessões , mas acorda-se ao invés de se aprender a odiá-las,
Uma cidade escura, estranha como a própria capital, num restaurante de outra época,
Ao balcão com o amigo que sobreviveu a todas as negligências e infantilidades do
Fim do mundo, dois cafés em chávenas brancas, sem marcas a dizer que o café outro
Nome qualquer a não ser café, o Lobo Antunes passa na rua, à pressa o café esquece-se
E deixa de existir, a cidade cada vez mais a capital e o amigo, provavelmente também a dormir,
Espere, enquanto uma caneta e o ridículo moleskine de todos os dias, um deles,
A prepararem-se para, se ao menos um dos livros dele aqui, agora isto, e as mãos vazias,
Só um abraço como se fosse um avô ressuscitado e um balbuciar de quem lê na missa,
Desta, algo que se sente mais do que se diz, agradeço-lhe pelas palavras que trago dentro,
Mas não consegui dizer, fez isto sentido, que vergonha, ele sorri e diz que recebeu o meu livro,
Qual deles, como, o livro em inglês e italiano, gostou especialmente do poema do barco,
Não sei do que fala, perdi-o e entro numa sala estranha, parede de um lado de vidro,
Forrada com monitores do outro e a minha colega ruiva, sardenta, sentada numa cadeira,
Vira-se e agarra-me no caralho teso e, que tens aqui, finjo não perceber, pensei que era
Para mim, oh, a cicatriz na sua coxa a latejar-me ao ritmo da taquicardia, as pálpebras abrem-se
Num quarto de hotel, ao lado de uma das duas camas, a imagem da ruiva atrás de mim,
À frente sentada a loira mãe, bonequinha afogada em pó-de-arroz, saco-a fora e ela
Sem palavra entra-me com um olhar de baixo para cima e acolhe-me com a sua boca quente,
Ela a ideia da ruiva, a imagem de quem uma noite evitei por o marido ser um bêbado simpático,
A cicatriz, a da coxa, a que se adivinha e a que só se sentiria, duas, a porta abre-se e entra
Um motoqueiro cabeludo, loiro, barba, um viquingue a vapor de testosterona, a noite apaga-se
E de manhã, a luz do Sol como uma ressaca de Setembro húmido, o motoqueiro corta lenha
No quintal de um quinta nórdica e digo-lhe, se não fosse ao contrário isto seria um sonho,
Trataste quem eu queria como uma puta, mas eu fiz o mesmo com quem me abriu a boca,
A mesma que tu querias, acordo e a vida parece-me tão estranha e sem sentido.

23.06.2012

Turku

João Bosco da Silva