segunda-feira, 10 de setembro de 2012


Lição De Poesia

para a D.,

Sento-me mais uma vez onde se escreve poesia, na solidão, inspiro o vazio que me enche o peito
E lá sigo, o poeta, riem-se uns, diz que é poeta troçam outros poetas e eu não digo nada,
Só me sento onde se escreve poesia, na solidão e inspiro bem fundo o ar que vem do abismo,
Sorrio-lhe como quem tenta disfarçar as lágrimas que se encostam ao limite da revelação da dor,
Toco as estrelas para formar cada palavra, queimo os dedos, tudo em nome de nada, tudo para
Dar voz ao vazio onde ecoam impossíveis, onde os sorrisos se tornam gotas amargas no momento
Onde todos os outros momentos memórias, sento-me mais uma vez, onde uma vez me sentei
Há muitos anos atrás, onde nada vi, nada encontrei a não ser a materialização da dor,
Uns dizem que é emoção, mas que outra emoção pode sentir um poeta cevado com niilismo
Depois do desmame de uma educação católica, tinha melhores coisas para fazer, sim tinha,
Temos sempre melhores coisas para fazer do que escrever poesia, ainda por cima, má poesia,
Debruçar-nos sobre o abismo de nós mesmos tentando encontrar o nosso reflexo e então
O abismo sorri e surge um poema, imperfeito, como o sorriso no espelho depois de se lavarem os dentes,
E parecem impossíveis, aqui, aqueles sorrisos que as fotografias dizem que se sorriram, agora,
Que ela distante, que ela tão impossível como antes, que ela longe da vida e a vida menos vida,
Ela no vazio que me enche o peito e me leva os dedos às estrelas, onde se queimam, ela a mãe
Da minha solidão mais profunda quando volta as costas, ela que tantas insónias me acompanha,
Quando fecho os olhos e procuro uma recordação para mais um verso e lá sigo, riem-se uns,
Eu rio-me com eles, de mim, não enquanto estou a ser poeta, nunca sorri enquanto escrevia
Um poema, poesia é coisa séria enquanto se faz, como fazer amor, não foder, foder é brincadeira,
É ir fazendo, lendo, gemendo, dizendo isto ou aquilo, poesia não diz nada, arranca um pouco
Do poeta e pinta uma emoção, que os que se riem provavelmente não conseguirão identificar,
Uma cor estranha, porque a vida deles é eterna, uma longa gargalhada, uma ressaca que nunca chegará,
Eu tento matar-me aos poucos para evitar sentar-me aqui, onde me sento, inspirar um ar
Onde não te encontro, cheiro a minha própria pele na esperança de um pouco de ti,
Ainda a latejar como o luar quente de Agosto, mas só te encontro quando fecho os olhos e suspiro,
Só te encontro enquanto me debruço sobra a tua ausência e tento fazer-te de versos.

10.09.2012

Turku

João Bosco da Silva