quinta-feira, 2 de abril de 2020


Haikus em Tempos de Cólera

Ignorantes e inocentes
festim para a morte –
assim é a vida.

O silêncio cortado
pelos grilos
a minha paz.

Com Issa no colo
o pai espera
a Primavera.

Pôr do sol nos olhos
a mãe suspira
pelos filhos.

As flores sem nome
tão belas
como o silêncio.

O mais poderoso
de todos os deuses –
Medo.

Não se pesa
o cansaço –
cai uma folha.

Nada é realmente
insignificante –
grão de areia no olho.

As ruas vazias
esperam
que o medo dure.

Luz acesa
no quarto vazio –
silêncio.

A palavra
que não se lembra –
pedra no sapato.

Do relâmpago
nada fica –
amanhece.

Recordações a preto e branco
como aquele fim de verão
na eternidade.

Os juncos daquele
Verão
hoje verde impossível.

Nos lábios distantes
azedou
o leite derramado.

Sobre a púbis dourada
os sonhos
bebem-se acordados.

Cabelo
sobre o papel
ainda me és?

Dançam as chamas
daquele pesado
feixe de lenha.

Ninguém lembra
os copos vazios –
amor.

Na almofada fria
nenhum vestígio
dos sonhos.

Com dentes de eternidade
agarram-se as palavras
ao papel.

Não será certa
a manhã –
apaga-se o candeeiro.

Turku, Março 2020

João Bosco da Silva


Barbeado em Nice

A última vez em que senti o Sol na cara, foi em Nice,
Um Sol branco de fim de Inverno sobre turquesa espumosa,
Naquelas frescas manhãs de sabão de Marselha,
Acho que ainda te amava, ninguém acredita que o amor eterno
Acaba mais rápido que um daqueles sabões perfumados,
A vida ainda me entusiasmava como a variedade nas lojas de queijo,
Quantos anos nos separam agora das carícias frias da maresia,
Do rubor sincero dos segredos ignorados ao Sol de Inverno.

Turku

02.04.2020

João Bosco da Silva