terça-feira, 31 de agosto de 2010



Koskenkorva


longe sente-se perto


As ruas amplas, brancas com cortes sujos, sinceras e frias,
De Inverno, de Kemi, às portas do fim-do-mundo,
Com as noites mais largas do mundo dos seus visitantes.
Não se consegue mastigar um ar assim, não é para mastigar,
Tem que se esperar pelo calor das luzes nocturnas,
Da escuridão infinita além, onde o gelo torna os passos dos sonhos maiores,
Para se poder engolir a loira da recepção do hotel, ao ritmo de uma garrafa de Koskenkorva.
Às seis e meia da manhã, não existe ninguém além telefone,
Só os olhos nos olhos e abraços com demasiado corpo e a ilusão de um romance instantâneo.
Trazem-se estes pedaços de gelo cravados na carne,
Com um prazer orgulhoso, uma dor só pela distância, uma saudade de longe de casa.
É Verão no Inverno de Kemi, hoje bolsos cheios a pingar, aos poucos,
A deixar a vergonha das calças molhadas, maior por ser água fria
E a vida corre e olha e ri, com os olhos demasiado para fora do sul,
Tão fora que só olham a superfície imediata e mesmo assim: infelizes.
Está tudo em ti, tudo depende de ti, dizem os olhos azuis, o hálito de álcool,
O dourado no pálido de Inverno, que se adivinha mais dourado em mel nos verões verdes.
Só vêem aquilo que tu vires em ti, dizem as ruas apressadas pelo frio,
Os carros que passam timidamente pelo gelo, as amigas que se beijam só quando alguém vê
No bar quando o corpo pede outra luz, outro calor, o fim do silêncio do dia.
Quantos quilómetros se podem trazer dentro, quantos anos, quantas pessoas?
Uns olhos, só uns olhos que ninguém vê, que se fecham, que encerram mundos,
Que ignoram portas, que se enganam com sonhos e não param, não param,
Enquanto se atravessa Kemi, de madrugada, com o sabor loiro ainda nos lábios frios.


30.08.2010


Torre de Dona Chama


João Bosco da Silva