Livro Favorito
Também foi o meu livro favorito, entretanto o pó acumulou-se,
Outros vieram, os anos passaram e as ruas foram varridas tantas vezes,
Os olhares tornaram-se inócuos e os sorrisos irritantes,
Tentei ser-lhe fiel por muitos anos, mantê-lo entre os cinco primeiros,
Aos menos, por consideração, por ter sido o primeiro livro favorito,
Enquanto morria debaixo de uma árvore, até se aprendeu
Que cada mulher um sabor diferente, um cheiro diferente,
Não apenas aquele que ficou agarrado às páginas do livro favorito,
Também foste a minha mulher favorita, mas a capítulo tal acabaste,
A guerra também e os sinos, nem me lembro se tocaram,
Depois alguém pegou em ti e te leu, não sei quanto gostou,
Ou se foi para passar o tempo ou um longo Inverno,
O cheiro do mosto veio dar o golpe final ao Verão, novos tropeços
Felizes e infelizes, contudo não te esqueci, continuas a ser
Aquela língua favorita, aquele levantar de anca na passagem
Das cuecas pretas, continuas a ser o livro favorito
De um morto que me habita, só te peço que te lembres do meus olhos.
Turku
10.03.2018
João Bosco da Silva
sábado, 10 de março de 2018
Espelho Negro
Que sabemos nós da distância, filhos do imediato, mestres do esquecimento,
Consumidores ávidos do amor de uso único e das religiões fast-food,
Com que lágrimas choramos os ossos que acumulamos em montes organizados
E floridos, pintados de verde e rodeados de muros altos para que
Não nos incomodem em dias de semana ou quando não estamos
Com disposicão de ser mortais, as flores já podres evitam-se
E os espelhos agora substituem-se por um rectângulo inteligente
Que nos cobre as imperfeições e nos tornam no sonho de quem não nos conhece,
Despimo-nos como abrimos um pacote de batatas fritas
E deixamos no copo sempre aquele último gole, alimentamos sedes
Para iludir a nossa humanidade essencial, não temos que lembrar mais,
Somos mais olhos que barriga, especialistas em abrir caixas de bombons
Que nunca conseguimos acabar, sempre certos, cada um com a sua verdade,
E que sabemos da distância, quando está tudo a um passo da vontade
Que tanto nos falta, porque temos os cordões desapertados,
Amanhã dizem que chove, tinha ficado de, acabei por, temos que, noutro dia.
10.03.2018
Turku
João Bosco da Silva
Que sabemos nós da distância, filhos do imediato, mestres do esquecimento,
Consumidores ávidos do amor de uso único e das religiões fast-food,
Com que lágrimas choramos os ossos que acumulamos em montes organizados
E floridos, pintados de verde e rodeados de muros altos para que
Não nos incomodem em dias de semana ou quando não estamos
Com disposicão de ser mortais, as flores já podres evitam-se
E os espelhos agora substituem-se por um rectângulo inteligente
Que nos cobre as imperfeições e nos tornam no sonho de quem não nos conhece,
Despimo-nos como abrimos um pacote de batatas fritas
E deixamos no copo sempre aquele último gole, alimentamos sedes
Para iludir a nossa humanidade essencial, não temos que lembrar mais,
Somos mais olhos que barriga, especialistas em abrir caixas de bombons
Que nunca conseguimos acabar, sempre certos, cada um com a sua verdade,
E que sabemos da distância, quando está tudo a um passo da vontade
Que tanto nos falta, porque temos os cordões desapertados,
Amanhã dizem que chove, tinha ficado de, acabei por, temos que, noutro dia.
10.03.2018
Turku
João Bosco da Silva
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