segunda-feira, 19 de setembro de 2011


“Esse Olhar Mata-me” Ou Algo Parecido



Deixa-me entrar, mas não permitas a minha presença nos teus sonhos, deixa-me ser real

Antes, não te canses cedo se te oferecer presentes sem embrulho, sou rasgado e geralmente

Tenho a sinceridade dos bêbados, sem os abraços, lábios rápidos atrás das orelhas e dedos

Leves a deslizar do pescoço até à manteiga estar derretida e pronta, até o amor é melhor

Salteado, não me deixes ficar até ao fim e perder a vontade por julgar que o teu cheiro o meu,

Porque afinal o meu cheiro é o da noite, da madeira que arde e do teu suor na minha língua

Enquanto me apertas as bochechas com as virilhas e as velas oscilam, quase a apagarem-se,

Mas apenas o vento na casa antiga, o meu avô à lareira a sacudir o copo no chão, para os cães,

Todos mortos, só o brilho dos teus olhos, os brilho dos teus olhos até à manhã por favor,

Aguentarei o vinho tinto a ser realidade fria e a lareira apagada, a vizinha nem em sonhos

E eu um santo, menos para ti que te convenci à dentada do meu direito ao inferno, não me

Poupaste e ainda os lençóis arrefeciam e já eu abandonado na geada, à espera que abrisse

O primeiro café para prolongar o adiamento de mais uma psicose, um dia demasiado tarde,

Onde tu passas apressadamente em direcção à santidade, o meu café arrefece, acendo mais

Um Ventil, e gozo o Sol a tomar conta da geada e a tornar os meus olhos ainda mais difíceis,

Ligeiramente mais diluídos na amargura, o sangue corre-me e quase sinto o coração a sorrir

Ironicamente quando vejo os acordados a olhar para mim como se fosse um desenterrado,

Só porque me deixaste entrar, cair, e lançaste-me três ou quatro pás de terra na cara,

Eu já pálido para os teus mamilos sensíveis ao roçar da barba, eu já cansado do desencanto

De mais umas fodas, tu não acreditando enquanto trancavas algo que quase abriste,

Algo que eu esperava mais que as pernas abertas, há mesas que ficam e onde nunca se comeu,

Uma cerveja para aterrar a madrugada e uma mão a envolver um pedaço pequeno de mim,

Ao lado ressonam e anéis doentes de portas abertas, Londres a ser Novembro e a chuva

A convencer-me que há fogueiras impossíveis quando se quer, como na tradição, quando se

Lembra e se sente nos ossos rústicos, volto-te a ver em Lisboa, alguém pergunta,

Não o meu avô que nunca lá esteve e aquilo nunca foi mundo para ele, ele só morreu,

Demasiados copos sacudidos para o chão, para os cães, mesmo quando a fogueira vazia

E a casa sem vozes de vento nem quase solidões, mesmo com gritos de quem se rasga

Por rasgados, olhos que perfuram sem ter que além pele e tu já devias saber disso.



19.09.2011



Turku



João Bosco da Silva


Age Of Empires

Aquela tarde de Setembro à beira do rio, naquela cidade de província, o Sol além dos montes
Em despedida, futuros sentados no banco de jardim à espera do futuro, os sonhos todos ainda
Possíveis mais tarde, as certezas ainda iludidas e o último ano de uma inocência que se perde
Com mais um passo, o céu quase cinzento, não fosse o horizonte frio à espera de nos cair
Em cima e de nos despedaçar em mil amanheceres desiludidos. Nem um cigarro, só projectos
Para uma construção improvisada no momento das decisões, nem uma lata de cerveja,
Nem um preservativo realmente útil no bolso, só o espanta espíritos a dizer que caça sonhos,
A banda sonora de um ano de despedidas sem se saber, mas nunca nada voltará a ser o
Mesmo, nem amanhã, amanhã óculos mais grossos, livros mais pesados, ou um papel a dizer
Que se sabe tudo sobre certa área que caiu no nosso caminho porque esperavam algo
E as conversas a caminho do portão da escola nas sextas por volta das cinco e meia
Iam ter ao que realmente se quer, eu por mim não fazia nada, não sei o que virá depois disto,
E pouco virá, só mais para menos tempo, mais para menos nós, mais para o nada que nos
Engolirá, até o fumo do incenso comprado numa tenda de índios bolivianos, para relaxar,
Para relaxar benzodiazepinas, sexo anónimo, e muito álcool para se suportar um foda
Na casa de banho de um bar, antes de ir para casa e vomitar a probabilidade de mais um
Sonho despedaçado, à frente daquele banco de jardim, numa cidade que faz parte da mitologia,
Dos invernos, das madrugadas e da piscina a fazer de tiamina antes do delírio, os passos de regresso
À perdição, porque o regresso ao passado só é possível se um abismo e uma vontade raivosa
De engolir os anos, abraçar a morte com os dentes e chorar enquanto se engole mais um trago
De whisky, quase salgado, até se adormecer com o cigarro na boca numa manhã de Outono,
Ou numa tarde de Inverno, com as narinas queimadas pela euforia e um voto ao lado da geada
Mais quente, eis a máquina do tempo, menos quem regressa é o mesmo, eis a impossibilidade,
Por isso o rio quando os olhos fechados, as mãos cansadas do desconhecido e os olhos
A trair a nossa falta de alma, perto da hora da carreira para regressar às lareiras apagadas
Da vila. Hoje nem os pais, nem o lugar igual ao esperado no banco de jardim, o mesmo,
Na mesma, com quem se encontrou e se abriu o corpo e se deixou ir andando, até
Se perceber que parados, que a vida condenada, que nós vivos e condenados a continuar
A sonhar, sabendo que nada será além daquele horizonte, o sol perderá o calor, ou só
A sensibilidade se cansará mais, o esperma seca e o iogurte na saia preta a dizer que não,
A inocência a dizer que não, que já não vive, ficou morta naquele pôr-do-sol,
Antes de mais um fim do mundo, num banco de jardim com os bolsos vazios chamados sonhos.

19.09.2011

Turku

João Bosco da Silva