Fim Do Mundo
Não pode ser, não quero, deixem estar, mesmo que não respire,
Deixem estar o fecho aberto e a minha cara pálida entre o plástico negro,
Tenho que acordar entretanto, não fechem enquanto não acordar.
É impossível, eu que sou a razão deste universo, eu que ao abrir os olhos crio a cidade,
Crio as cidades além desta com as minhas ideias infinitas,
Crio o futuro com os meus sonhos, o caminho com os meus desejos,
Estar deitado e sem me conseguir mexer: Impossível!
Quem irá correr atrás do cão, quem irá acordar com o cheiro do café logo de manhã,
Quem irá abraçar o meu amor, quem terá os filhos que eu não tive?
Não pode ser. Trata-se obviamente de um pesadelo,
Nem consigo gritar, nem consigo mover um centímetro do meu corpo,
Nem vejo o movimento ritmado de uma respiração, nem sinto o calor nas têmporas,
Não sinto nada de nada, só o céu meio cinzento e uma gota ou outra que me incomoda
Quando me cai nos olhos abertos. Que faço na rua, tão abaixo?
Devia estar a dormir no décimo terceiro andar, completamente bêbado,
Devia estar a dormir na casa de banho banhado em desespero,
Porque os meus problemas são os piores do mundo.
Morrer? Eu? Nunca pensei que fosse possível!
E sem deus, agora como vai ser? É isto, assim, um zíper que se fecha,
Uma escuridão que me engole e amanhã a gente a falar de mim no trabalho,
Como se fosse mais um? Eu não sou mais um, sou Eu,
Os outros… que aconteça aos outros, a mim nunca, não pode,
Sou o centro disto tudo. Quem me fez isto? Eu? Quem chora ao meu lado?
Não consigo mover os olhos, não sei quem é, mas diz que sim,
Que sou eu. Não posso ser eu, eu estou vivo, eu sou vivo:
É assim que se pode ser, assim que me conheço.
E agora nada? Quero acordar! Isto não é para mim, é para os outros todos,
A minha hora não é esta, é daqui a cem anos ou mais,
Porque sei que um dia a gente nem irá morrer mais
E eu terei a sorte de viver nesse tempo. Terei essa sorte?
Quem me acorda? Como me pode incomodar a chuva nos olhos,
Quem chora por mim? Recuso-me a aceitar que isto seja a minha morte,
Ela não está nos meus planos, não a morte a sério.
Assim não se resolve nada, assim não consigo nem dizer que não,
Que não me fechem no escuro frio, que não chorem por mim,
Que não me esqueçam, como se isso me mantivesse vivo de verdade.
Quem me inventa deus num instante? Queria pedir-lhe que não fosse desta,
Que estava a brincar, que afinal não era mesmo isto que queria,
Não sabia o que isto era, como podia querê-lo?
O fecho-de-correr sobe em direcção à minha cara,
Quero gritar, mas nem grito por dentro, é inútil,
Ao ver o último ponto de luz antes de fecharem completamente o saco,
Sei que os meus olhos se irão abrir… irão? É este o fim do mundo?
Um fim solitário? Enquanto os outros ficam, sem ficarem de verdade?
Quando morre alguém morrem todos os que ficam, não é assim?
Que sei eu da morte, eu não estou morto, eu não posso estar morto,
Eu serei o último a morrer, sem mim o mundo não fica.
28.10.2010
Torre de Dona Chama
João Bosco da Silva