domingo, 26 de janeiro de 2014

“Mr Mojo Risin”

Procuras entre quatro paredes saturadas pela tua presença, uma companhia,
O espectro de uma garrafa de vinho que um dia enterraste na areia e bebeste na companhia
Do pôr-do-sol, tentas lembrar-te de quem eras na noite em que bebeste uma garrafa
De sake e escreveste um poema sobre uma tatuagem num ombro ao som dos The Doors,
Procuras-te menos nesse quarto fechado, onde estás, procuras-te dentro, onde não estás,
Reflexos que nunca encontras no espelho em que realmente te espelhas, procuras
O reflexo no hipocampo, nunca acreditaste na companhia que te fazes, preferiste sempre
A companhia imediata da bebedeira e das casas de banho em bares quase vazios,
Procuras porque tens as mãos cheias e os braços cansados do peso dos dias, sempre
Os mesmos, para cima, para baixo, para cima, para baixo, uma masturbação por necessidade,
Um desespero de verter como quem faz uma sangria na alma e fica melhor, porque menos,
Na palidez encontras-te mais facilmente com a eternidade, procuras-te nos ecos daqueles
Gemidos que nem do teu nome capazes, mas que interessa, se tu tão certo da presença da tua
Carne, nada te dá mais certeza que a dor, procura-la sempre que sentes a invisibilidade
Tomar conta de ti, gritas com vontade, sopras contra o castelo de cartas só para que se voltem
Para a demolição da beleza que com tanta paciência construíste, procuras a companhia
Do granito a rasgar os teus punhos enquanto rezas e vertes o teu corpo líquido na pedra
Quente entre as pernas de uma capital, a tua curiosidade sempre foi passiva, para satisfazer
A dos outros, e tu inocente sempre, em todas as fodas anónimas, em todas as traições
Sorridentes e sinceras, na aceitação da fruta, sempre engoliste até ao fim, cego, fascinado
Pelo fascínio que fingem ter pela tua alma apagada e cinzenta, procuras uma confissão,
Mas não consegues falar de outra forma que não esta, confessas-te por isso aos copos vazios
E aos sonhos nas noites de insónias e de transpiração por abstinência de excessos.

25-01-2014

Coimbra

João Bosco da Silva

Publicado na antologia "Voo Rasante", Mariposa Azual

Excerto lido por Sara F. Costa: https://soundcloud.com/sara-f-costa/joao-bosco-da-silva-quente-entre-as-pernas-de-uma-capital