segunda-feira, 11 de março de 2024

Último

 

Revelam-se os cadáveres no degelo

E no peito escorre um mel tornado fel,

Pelo tempo e a distância, a tal saudade,

O pior de envelhecer é esquecer

E perder a nitidez dos seus lábios

Naquele último beijo, cujo lugar também se perdeu,

Nada é mais certo que um último beijo.

 

07/03/2024

 

Turku

 

João Bosco da Silva

Na Nossa Natureza

 

Leio-te com a vontade do mendigo

À prisca cuspida no passeio,

O escarro tuberculoso na fruta fresca,

O tesão esforçado dum velho rico

Rasgando o amor ganancioso da adolescente,

A minha língua temente em preces

No olho do cu de uma mãe embriagada em cio,

Trocar a eternidade lenta e morna

Por um chafurdar breve na lama da transgressão,

Contudo sentir o merecimento do sol na pele,

Acreditar na redenção pelo esquecimento.

 

11/03/2024

 

Turku

 

João Bosco da Silva

Eterno Degelo

 

Que dizem do gelo as estrelas

E da profundidade maligna dos sonhos,

A lama repetente dos desejos,

A fome de loucura e luxúria,

Conta-me tempo, do canibalismo

Símio dos profetas, palitando dentes

À sombra de figueiras e catástrofes,

O ritmo é lento e o erro certeiro,

Gelam as mãos ainda,

Tudo aos poucos se revela

Como um maldito amor moribundo.

 

Turku

 

11/03/2024

 

João Bosco da Silva