sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Saimaan Rannalla

aos,

Onde a água é dourada ao fim da tarde tardia, os barcos passam e nem se vê neles
A passagem da vida, sente-se a escorrer, a água do lago, lágrimas inversas, o prazer
Da pele quente pelo Sol leve filtrado pelo verde, engole-se uma Olvi na ilha do museu,
Confessam-se todos os pecados em segredo ao castelo, enquanto se grita alto
Liberdade, roubam-se os talheres do restaurante medieval para se esquecerem
Numa oxidação inocente entre erva grossa, as loiras brilham mais que o Sol,
As garrafas de vinho enterram-se na areia à espera do amigo italiano, enquanto
Se juntam troncos para criar uma homenagem à amizade e à felicidade do pouco,
Sozinho à beira do Saimaa, não é possível sentir-se triste, a cambada toda com
Peixes frescos, assados na madrugada, e caixas de vinho barato português,
O mais barato, cigarros enrolados na improbabilidade da companhia, mergulhos
Sem pudor, apenas carne e gente, a água benta dos católicos purificada
Pela fria água do lago, os dedos dentro da tocadora de kantele, os peixes
Brilhantes na ressaca de uma noite de cona de dezanove anos entre as coníferas
Da ilha pequena ao lado do casino antigo, a arte de viver na arte, a caverna perto
Da estação onde se caga para a esterilidade branca do que se vende aos olhos
Ignorantes dos estrangeiros, a cerveja que esperava onde se escoam as chuvas
E a neve dos meses que derretem, o podre tem outro sentido, purificador,
O leite é uma necessidade fotogénica e há beleza em tudo, até em mim,
Sentem mais os olhos que não traduzem que todas as dissecações da terra,
A bicicleta desiste da corrente e leva-me ao lago, acabo em arbustos
E com o sabor metálico do sangue misturado com vodka barata, é no local
Do costume, onde sempre é casa, venha-se do inferno que se venha
E no fim do dia, janta-se muikku sem intenções, entre vietnamitas, belgas,
Espanhóis, chineses e americanos, e a noite traz óculos de sol e vestidos
Pretos e brancos manchados com esperma e um agradecimento sincero,
Ao ritmo de um ressonar bêbado, na cama do quarto da porta aberta.

05-12-2013

Coimbra


João Bosco da Silva
Tea Bagging

A estação de comboios, ao lado, esperava, gelada, as viagens que não voltaria a fazer,
Não voltaria a partir, nem voltaria a escrever poemas no vagão restaurante com uma
Cerveja quente, enquanto vivia a vida dos outros e transcrevia a minha no papel
Suado das viagens do Verão, agora parece impossível o calor, mesmo a marca
De gotas de sangue na neve, quente, nem um cão na rua, só eu farejo em direcção
A mais uma perdição, a luz do dia ainda fechada como o resto do dia, na sala estava
Um amigo bêbado, daqueles que se encontra a más horas de pé esquerdo, tentava decidir
Entre mergulhar na amiga lésbica, já desfocada com os seus grossos óculos de massa,
Ou afogar-se na cerveja que restava, nem todos dormem e menos ainda são os que sonham,
Ao ritmo de uma viagem que nunca chegará ao destino na noite, uma boca vermelha
Envolvia o saco de chá, dizia que gostava com leite, mas o vinho não permitia vias lácteas,
Procurava com o olhar suplicante, extrair pelos poros do  escroto uma vibração que eu sentia
A escorrer em forma de saliva e sede, alguém acordava para começar menos um dia, alguém
Se vestia, a nossa roupa no chão da casa de banho a fingir sinais de amor, só fome na verdade,
E aquela sede de ruína, de ter-se bebido demasiado, de paixão, pouco ou nada, apenas a fúria
Nos lábios e o desespero no olhar, uma solidão crónica que se mata só com a desilusão,
O caminho de casa estava no sentido inverso, mas no fim, quando não há mais caminho por
Onde ir, resta voltar para trás, não regressar, nunca se regressa, o tempo não o permite,
O chá terá arrefecido, poderá até ter açúcar desta vez, outro sabor fermentado por algo
Parecido à saudade, mas saudade como sentir falta de um dedo onde outros dedos
Entraram e mal se estranharam, ela adorava tê-los na boca e eu adoro a marca que a boca
Me deixou na solidão que estes dedos agora percorrem sem arrependimento.

Coimbra

26-11-2013


João Bosco da Silva