quarta-feira, 12 de maio de 2021


 

Cagar no Monte

 

Já o primeiro café se aconchega nas tripas,

As flores das giestas querem fazer frente

Ao sol do meio-dia, o relógio da igreja diz

Que ainda falta uma hora e já a pele emprestou

O cheiro do rosmaninho e alecrim, no poço

As rãs cantam pelas futuras gerações,

Ignorando invernos e infernos, então,

Debaixo dos carrascos, sinto a urgência nos intestinos,

Baixo as calças e cago ali, entre aquelas fragas de granito,

Os cães ladram, o campanário da igreja,

Agora silencioso, prepara-se para o meio-dia.

 

Turku

 

12.05.2021

 

João Bosco da Silva

 

Amanhecer e Três Pedras de Gelo

 

Amanhece, tudo é ridículo como cada gesto de amor,

No horizonte uma cor demasiado familiar, um medo

Antigo que se apaga numa ilusão rosada e laranja,

No copo o gelo derrete, a memória acompanha o ritmo

Lento do pó que tudo cobre, há uns anos teria dado tudo

Por ter a língua enterrada nas vergonhas alheias,

Amanhece, tudo me parece seguro quando aperto

Apenas o vazio nas mãos cansadas de tanta partida,

Um homem só se cumpre quando espera a morte

Como o abraço de um irmão, o resto é cio e demasiados

Cães a um osso, amanhecer é tão fácil, como durar,

Tudo é tão certo, tudo é tão frágil, entretanto o gelo

Nem se apercebe, que todo ele, é agora, água,

A noite agora uma manhã segura, limpa e vazia.

 

12.05.2021

 

Turku

 

João Bosco da Silva