sábado, 25 de novembro de 2023

 

Kinkakuji, Novembro 2023, João Bosco da SIlva

Preferir o Musgo – Haikus

 

Oito anos são tudo

e nada — 

nas escadas do templo.

 

Das escadas do templo

já sem folhas

a árvore do céu.

 

O cair das oferendas

preces silenciosas

com gosto metálico.

 

Quase silenciosas

as preces —

chuva metálica.

 

Sobre o crepúsculo

outonal

pagode escarlate.

 

Silencioso o verde buda

à sombra

dos olhos.

 

Solitário o buda

acumula verdete

e eternidade.

 

Acabaram as oferendas

por fim

silêncio no templo.

 

Com o cu bem lavado

escrevo um haiku

ao lado de um buda.

 

Duas vezes olhar

à volta

e não acreditar.

 

O sake aquece

não interessa

irei bebê-lo.

 

Enquanto se espera

a enguia

sake e haikus.

 

Parecem gatos

a cair

as mãos do cozinheiro.

 

Se elas gritassem tanto

quando eu entro

como nos restaurantes aqui.

 

Trinta e oito em Tóquio

estranha-se menos

que aos dezoito no Porto.

 

Conseguir estar só

rodeado de milhões

eis a poesia.

 

Na melhor companhia

até que torne

na pior.

 

Com as pombas

do parque Yokoamicho

pequeno-almoço sob um ginkgo.

 

Tóquio

 

Que crocitam os corvos

do castelo de Nijo —

serão ecos?

 

Sobre o Kinkakuji

voa

um corvo.

 

Tão breve

como o fim daquele desejo —

Kinkakuji.

 

Belo e breve

o toque

do desejo.

 

Tão grande o desejo

rapidamente

sucumbe à beleza.

 

Memórias douradas

ecoarão agora

na distância semeada.

 

Que sentirá o sol

que toca

aquelas paredes douradas?

 

Um breve abraço

àquele loiro desejo —

olhar Kinkakuji.

 

Aquele monge

cujo desejo

o queimou.

 

Incendiar o desejo

dourado

que te queima.

 

Olhar o templo

ver o desejo

em estado puro.

 

Neste verde autocarro

ecoa ainda

o reflexo dourado.

 

Quase em silêncio

o rio Kamo

minha testemunha.

 

Iluminado pelo sol

o ancião

no velho comboio.

 

Que fome espelhará

a garça

no rio Kamo?

 

Seu nome

no sorriso —

Sakura.

 

Quem prepara o chá

é o florescer

da cerejeira.

 

Futon duro

sono leve —

chove em Quioto.

 

O grou espelha-se

no rio

não deve ter fome.

 

Há na beleza

uma certa

violência.

 

No comboio

as rápidas montanhas

parecem musgo.

 

Esta chuva estrangeira

traz-me de volta

à primeira casa.

 

Por todo lado

corvos e preces —

Santuário de Inari.

 

De um santuário

a um templo

contrastes silenciosos.

 

A saturação xintoísta

lavada

pelo budismo Zen.

 

À saída do jardim Zen

apanhar do chão

uma folha púrpura.

 

Ah a frescura

do musgo

do Ginkaku-ji.

 

Como uma verde geada

a frescura do musgo

em Ginkaku-ji.

 

Na cara gelada

a frescura

do musgo de Ginkaku-ji.

 

Há gostos

que não foram feitos

à medida.

 

A mão do homem

suavemente

em harmonia.

 

À sombra dos bambus

três vezes

sacudo a gaita.

 

Entre ouro

ou prata

escolho o musgo.

 

Duas bolas de cotão

do umbigo —

tenho vivido.

 

No ar outonal

de Arashiyama

castanhas assadas.

 

Soba e sake

o almoço

do caminhante.

 

De joelhos sobre a esteira

um gesto familiar

e longínquo.

 

Um dia de sol

tem a beleza da despedida —

cores de outono.

 

As montanhas em Arashiyama

vestem

a minha camisa de Outono.

 

Não é Carnaval

na pandemia endémica

tudo ainda mascarado.

 

Zen é aquele

jacto quente

no meu cu.

 

Deslumbrado ou perdido

o homem que come

gelado de macha.

 

A plenitude —

o estômago cheio

após longa caminhada.

 

Sol e cerveja em Novembro

num bar jamaicano

em Arashiyama.

 

Domingo ao sol de Arashiyama —

imaginar

o som da floresta de bambu.

 

Ao sol de Novembro

ler Bashô

em Arashiyama.

 

Na boca dos adolescentes

reconheço uma palavra —

Namban.

 

Pequenas folhas secas

que sem vento

se movem.

 

Apesar do sol

sobre o lago do palácio

cai granizo.

 

Esta lua de Quioto

irei levá-la

para casa.

 

Em Okochi Sanso

esqueces-te

da cidade.

 

O mais belo vermelho

sem lábios —

Outono em Okochi Sanso.

 

Em viagem

sinto-me

mais em casa.

 

À beira do rio

um grou —

chove.

 

Chamem-me viajante —

sonhar e caminhar

viver.

 

Não chores o verão

que acabou

tem mais cor o outono.

 

Tem mais cor o outono

que a primavera —

envelhecer.

 

Ao vivo

Quioto é mais belo

do que em sonhos.[1]

 

Parece interminável

o varrer das folhas

até que o Inverno chega.

 

Parecem vassouros de giesta

com que varrem

as folhas em Quioto.

 

Chuva ao Sol

o cheiro da manhã

em Quioto.

 

Quem chegará primeiro

eu

ou o postal?

 

A caminho de bicicleta

a tenor

vai aquecendo a voz.

 

De joelhos sobre a esteira

reproduzo

três poemas de ontem.

 

Esperando o comboio

aproveito

o último sol de Quioto.

 

Uma nuvem desvia-se

para deixar o sol

iluminar o poema.

 

Só na hora de partir

a solidão

se pronuncia.

 

Duas meninas sozinhas

no comboio regional —

manhã de segunda-feira.

 

Por trás da nua arvorezinha

esconde-se

o imponente templo.

 

À distância

toda a memória

é uma só coisa.[2]

 

Quito despede-se com Sol

contudo

parto como uma sombra.

 

Uma janela aberta

café e bolos de arroz

uma pessoa sentada.

 

Como o menino

também o velho poeta

contempla o comboio-bala.

 

Como um camelo

viajo carregado

e sedento.

 

Quioto

 

Quio

To.

 

No horizonte só Fuji

se vestiu

para o Inverno.

 

Nas montanhas

o arroz

torna-se chá.

 

Campos dourados

de arroz

em Novembro.

 

Vazia a caixa bento

agora dormita

no dedo uma promessa.

 

Quito-Tóquio

 

Regressa-se sempre

pela primeira vez —

ilusão da memória.

 

O lugar que levamos

é tão somente

nosso.

 

Depois de Quioto

Tóquio sente-se

como plástico.

 

Hoje não chove

no Santuário de Meiji —

ainda verdes as folhas.

 

Vê-se melhor

quando chove —

Santuário de Meiji.

 

Há oito anos chovia

e as folhas

já douradas caíam.

 

Mais uma vez

a memória pinta

o verde com dourado.

 

Olhando a Skytree

bebo sake

no terraço do hotel.

 

Quem diria

este silêncio

numa megacidade.

 

Acompanharam-me

seus jovens olhos

até ao último gole de vinho.

 

Lado a lado

ao sol

um pato e uma tartaruga.

 

Quase uma rocha

ao sol

tartaruga molhada.

 

Regressa a tartaruga

que ainda há pouco

mergulhou.

 

Como se Dezembro

não tardasse

chilreiam os pássaros.

 

Patos deitados

ao sol —

ninguém se senta.

 

Quando regressar

não serei mais

eu só.

 

Também uma garça

se veio juntar

à festa na ilha.

 

Tóquio

 

Novembro 2023, João Bosco da Silva

 


[1] “ao vivo/ o falcão é mais belo…” Bashô

[2] “Ao luar/tudo no mosteiro/…” Bashô