segunda-feira, 7 de setembro de 2020


O Amadurecer das Uvas - Haikus

I

A bondade
não desperdiça
o arroz.

O pó do caminho
não incomoda
as primaveras.

Longo o crepúsculo
quando nada
se espera da manhã.

Colhe flores o samurai
ainda quente o sangue
na lâmina.

Na chawan
olhos verdes
que me esqueceram.

No amor e na morte
a mesma delicadeza
das flores.

O herói morto
com as nádegas
à chuva.

Deixaste queimar
o arroz –
amanhecer.

Comido pela mesma
fome
o trevo de quatro folhas.

Sobre a erva fresca
o corpo
banhado pelo sol.

Mil silêncios
a dança da erva
no fim de tarde.

Passam sem nome
todos os sonhos
alheios.

Como recordações
no início do verão
as moscas.

Quase não me nota
o sol
roendo uma erva.

Toda a vida
na sombra
de um insecto.

Debaixo da árvore
sou um mundo
para os insectos.

Na minha perna
que procura
a lagarta?

Folhas verdes
pele dourada
roupas de verão.

E se o universo
um gigante deitado
debaixo de uma árvore?

Ninguém me chama
para jantar –
andorinhas cantam.

Coberto de moscas
e pulgão –
pôr-do-sol.

Rimbaud ao sol
cerveja
na mesa.

A chávena ainda quente
do chá
que já bebi.

Morango silvestre
inocente mastigo
a tua beleza.

Sou um campeão
do arrependimento –
acaba a Primavera.


II

Vendedora de morangos
o sol aquece
meus cabelos brancos.

Debaixo da ameixeira
corre a água
mais fresca.

Põe-se o Sol
nas folhas
do marmeleiro.

Na boca vazia
Ainda a doçura
Dos pessegueiros cortados.

Cor das flores
de cerejeira –
distancia e sonho.

No Ribeiro fresco
lava-se a terra
das batatas novas.

Sofrem na canícula
as roseiras
de minha mãe.

Belo o perfume
de todas as flores –
noite sem luar.

As mimosas da infância
do tamanho
da saudade.

Nos olhos do meu pai
a sabedoria
de um velho castanheiro.

No ondular da seara
a fragrância
da tua pele morena.

Longe estão os ramos
das mimosas
da infância.

O sabor dos agriões
distante
como a juventude.

Aberta sobre a mesa
a melancia madura –
Verão.

No tanque da roupa
cai
uma maçã madura.

III

Sobre o dourado
da madrugada
voa a gaivota.

Incendeia-se o céu
ainda a terra
fria de sono.

Asfalto quente
da cidade –
ninguém cava a terra.

Aquela gota de orvalho
que secou
e ninguém viu.

Um gato atravessa
uma rua deserta –
abro os olhos.

Sentado no granito
também vou –
folha levada pelo vento.

Entre duas ervas
brilha ao Sol
a fina teia.

Passa a zumbir
a mosca –
em que pensava?

Em cima do pinheiro
o Sol
mais próximo.

Entre as páginas
esmagado
um mosquito.

No pátio da escola
aquela mimosa
e a minha infância.

Quão longe
podemos estar
do que somos?

Cada árvore
reconhece
a criança que fui.

Pinhas sobre
o musgo
sob pinheiros.

Parar numa sombra
e reflectir
nos cheiros do verão.

Passou uma lesma
no restolho –
amanhece.

IV

Rodeadas por seixos
as barbatanas
de uma foca.

Este mar
não parece ir
nem voltar.

Cheiro das macieiras
ao fim da tarde –
alguém prepara o jantar.

Tocado pelas recordações
o trigo
estremece.

Só os grilos cantam
numa língua
que reconheço.

Passou por mim
uma libelinha
ou lembro a minha mãe?

Onde a gente se delicia
cagam os gansos-do-canadá –
dia de praia.

Como podem
estes velhos dentes
ter tanta fome?

Levam o Sol
as jovens rolas –
tarde de Agosto.

Amargo o café
como o homem
a quem a juventude acabou.

A quem se irão dar
aqueles jovens
corpos cintilantes?

Pernas que se abrem
sonhos que cessam –
fim de verão.

Quantas as mães
do capitão Shigemoto –
mosca da fruta.

Mais um belo dia
para ser
desperdiçado.

Nas páginas
do livro sagrado
caga a mosca.

A muitos toca
a solidão
de um vulcão.

Um fio de cabelo dourado
cai leve
como o desejo.

Reflectido na água
o passado sorri
até num dia cinzento.

“Dantes”
diz olhando o copo
vazio.

Na companhia das pedras
duram
as vidas imóveis.

Pintam-se de sol
as folhas –
fim de verão.



Turku, Verão 2020

João Bosco da Silva