terça-feira, 4 de outubro de 2011


Vendedor Nocturno



“Dizem que atravessas com os teus passos

a solidão do inverno. E vou atrás de ti,

até onde me esperas”



Nuno Júdice



Quem te deu o direito de vender o fracasso se nasce nas pedras como o musgo,

Dos anos que passam, da virgindade das horas, do ar limpo de ti e das vontades

Desnecessárias para o movimento dos astros e de outras coisas pequenas,

Que até com asas te levam na impossibilidade dos olhos abertos, enquanto esperas,

Mais um cliente para lhe chorares uma frustração consentida, mais um nome para

O testamento dos vazios que acumulas, serás um homem cheio de terra,

Quem sabe um jazigo do tamanho do teu ego, esmagado pela realidade que nunca

Quiseste engolir, como os anos que te injectaram nas veias contra a tua vontade.

Podes entrar em mil jovens, cuspir-lhes no corpo a tua essência nojenta,

Sugar-lhes os sonhos até desde a sua rata assustada que derrete num desejo

Disfarçado de medo, mas tu, velho vicioso, sabes bem que há lábios que não mentem,

Não se confundem, só tu para lhes venderes a confusão, mas essa é toda tua,

Desde que deixaste de compreender o propósito das palavras quando

O olhar se apaga, dos gritos quando o último suspiro foi dado, das promessas

Quando o orgasmo já frio e a lareira apenas uma memória de cinza e cigarros fumados

Pela falta daquele corpo que trocaste pela antecipada assinatura de um contrato

Forjado numa queimadura de gelo, entre talheres e garrafas vazias.

Não mereces o que o dia te esconde de manhã, nem os cães que te julgam

Boa pessoa, por fome, pela ilusão de uma mão que os acaricie no fim do dia,

Enquanto o Sol se põe além onde luzes surgirão a dizer que aldeias e mais cães,

E tu sabes o nome de todas e nunca lhes conheceste as almas além do que

O teu prepúcio te permitiu, bebeste-as como mais umas cervejas com os amigos,

Muitas delas partilhaste com alguns deles, porque no fim são eles os teus clientes,

Entras não pelo prazer, mas esperando que os rumores sigam a direcção

Dos teus desejos mórbidos, fodes como quem viola e irrita-te que elas gostem,

Porque no fundo, procuras uma santa que te mostre uma luz além da carne,

Compram-te os fracassos e não percebes que já quase te vendeste todo,

Por nada, a não ser por mais um pedaço de vazio na tua confusão niilista.



04.10.2011



Turku



João Bosco da Silva


Estar Doente



Aqueles dias entre o sofá e a cama, com febre e uma dor de cabeça que a mãe resolvia

Com xarope de cenoura, chá de limão e canja de galinha com ovos pequeninos longe da casca,

Seguros quando o mundo parecia acabar tão cedo e a noite se colava às mantas frias

E húmidas como algumas mulheres que mais tarde viriam a fazer parte da pele febril.

A lareira inocente nunca deixava de chamar com a sua língua de vento, enquanto o silêncio

Lá fora, transformava tudo em vidro e sono e só os cães pareciam ser os verdadeiros

Habitantes das ruas solitárias, com cheiro a fumo e saudades do Sol de Agosto, viciado nos

Primeiros beijos e goles prolongados na perdição da vida entre o sofá e a cama, sem desculpas

De convalescença, a mãe lá longe onde a criança se deixou ficar, porque é para garotos

Continuar e o mundo não permite olhos inocentes, só doentes, cansados, viciosos e viciados,

Olhos no chão, fixos além da chama, na parede enegrecida, também pelos anos.

Às vezes só se queria mais um dia, daqueles piores nos melhores tempos, uma incapacidade

Facilitada pelo carinho que se aceitava com a naturalidade de uma cria mimada.



03.10.2011



Turku



João Bosco da Silva