terça-feira, 21 de julho de 2020

Bares Que Fecham

para o João Coles,

Ela não estava muito contente com a hora de atraso, às vezes não é fácil
Arranjar uma desculpa de última hora, especialmente quando os mercados
Já fechados e pouco mais que uma sede súbita que não pode esperar companhias,
Quando cheguei ao bar, já ela estava a caminho de casa, mas alguma fome
A fez voltar atrás, Billie Holiday cantava Crazy He Calls Me quando ela entra,
Parecia chateada, na mesa já lhe tinha uma cerveja à espera,
Tira o casaco e senta-se com neutralidade, estávamos só nós no bar,
O barman estava entretido a sorrir para o telemóvel, ela pousa o copo
E revela os lábios humedecidos, lá lhe consigo desenhar um sorriso rosa,
Começamos a segredar vontades a uma distância segura,
Começa a desenrolar as pernas, chego a minha boca ao seu ouvido,
Vem ter comigo à casa de banho daqui a um minuto e levanto-me,
A casa de banho vazia como esperado, do lado direito um cubículo,
Espero em frente ao espelho enquanto peso a minha consciência com a vontade,
Ela entra, seguro-lhe na mão e puxo-a para os meus lábios,
Beijando-nos entramos no cubículo, fecha a porta enquanto se ajoelha
E me desaperta o cinto e me sorve, começo logo a crescer dentro da boca dela,
Gosto de te sentir crescer na minha boca, disse-me ela uma vez,
Levanto-a e volto-a de costas para mim, debruça-se sobre o autoclismo,
Enquanto baixa as calças, abro-lhe as nádegas e começo a comer-lhe o cu,
Sentindo os lábios fartos derretendo no meu queixo áspero,
Não aguentando mais, mergulho nela, ela geme como se não estivéssemos ali,
Impossível o silêncio, entre o chocalhar húmido e os gemidos,
Não tarda alguém entrar, os tomates latejam sob o que por eles escorre,
Vira-te, já, ela volta-se enquanto se ajoelha e engole cada jacto quente,
Depois beija-me com língua de dióspiro pouco maduro, desiludida,
Estava quase, podias ter aguentado mais tempo, não gostei muito disto,
Estavas a fazer muito barulho, não estamos em tua casa,
Mas tu vieste-te e bem, sai tu primeiro agora, e lá fui misturar a cerveja
Com os restos do meu prazer na boca, que foda maravilhosa, pensei,
Enquanto ela se senta e me diz, fizeste-me voltar para isto,
Pedi mais duas cervejas, os The Ink Spots cantam Maybe e lá fora começa a nevar.

Turku

21.07.2020


João Bosco da Silva

segunda-feira, 13 de julho de 2020


No Muro do meu Descontentamento

No muro do meu descontentamento, a vida sempre me soube a pó fino,
Para tamanho abismo no tecto do quarto à noite, onde o mofo proliferava
Nas paredes como o inverso dos sonhos, que aos poucos,
Se diluíram nos anos e com o verdadeiro alcance das mãos,
Mais à frente na encruzilhada, que leva à esquerda ao monte e à direita ao rio,
Entrei nelas, iluminado pela companhia dos pirilampos e estrelas de verão,
Um pouco mais de mim noutro vazio, cada gesto menos eu,
Contrariado quase, inspiro fundo, tentando resgatar a música que os grilos
Ressoavam no cristal quente da noite àquelas horas depois da inocência,
No muro do meu descontentamento, enquanto o cavalo do coveiro pastava
Nas minhas costas o silêncio da minha insatisfação congénita.

Turku

12.07.2020

João Bosco da Silva

sábado, 4 de julho de 2020


Vendedoras de Morangos

Vendem ilusões maduras, fruta da época, nos dias quentes do verão nórdico,
Suas gotas de suor descendo a pele dourada, são as estrelas cadentes
Da minha adolescência em Agosto, quando saem da água fria dos lagos,
As suas virilhas têm o cheiro do ondular dourado de uma seara madura,
Ainda têm o mundo nas mãos de quem há pouco cedeu a inocência
À vontade do corpo, essas vendedoras de morangos, pequenos sóis
À sombra de tendas de cores quentes, fosse eu jovem e admirava-as
Com a mesma distância, sempre fui um covarde com mais olhos que barriga
E a poesia isto que me entretém os dentes da vontade.

Turku

26.06.2020

João Bosco da Silva


Linhas

Já tinha os olhos bem desenhados, quem se lembrou de me acrescentar
Mais umas linhas por baixo e dos lados, como na testa, sem fazer sol,
Sem estar com medo, quem me quer mudar se ainda sou o mesmo,
Posso ter esquecido meia-dúzia de sonhos e alguma força na vontade,
Mas ainda gosto das noites estreladas no verão e do pôr do sol no outono,
Da chegada das andorinhas, ainda me entristece a sua pressa quando
As trovoadas já frias, estes rabiscos, como se uma criança a brincar de tempo.

Turku

23.07.2020

João Bosco da Silva


Arco Branco Em Camisola Vermelha

O que fica de nós nos outros, na camisola vermelha que se esqueceu
E nunca se lavou, desde que deixaste a minha vida, uns centímetros abaixo do umbigo,
Uma mancha branca em arco, tu, uma das vezes em que entrei em ti,
Tu, aquele arco branco, agora algo que secou e se esqueceu no armário
E a memória não deixou lavar, tu engolindo a minha fome de ti
Com uma sinceridade cremosa na vontade, tento lembrar-me da última vez
Em que vesti aquela camisola, onde moram ecos dos teus gemidos,
Mas não me lembro, não me lembro sequer quem eras tu, que agora
Um arco branco à altura da braguilha numa camisola vermelha.

Turku

04.07.2020

João Bosco da Silva