sábado, 26 de março de 2022

 


Haikus Árcticos

 

Mesmo que me levante

do banco de madeira

dançam as chamas.

 

Olho a lareira

o crepitar

ecos do passado.

 

Acender o lume

ou descascar batatas

que fazer primeiro?

 

Sobre a mesa

sal e copos vazios –

que cansaço esperam?

 

O mar e a neve

envolvem o perigo

com beleza.

 

Fim da tarde

a lareira

continua apagada.

 

O silêncio de madeira

desta cabana

uma companhia.

 

O silêncio de madeira

desta cabana

ocupa a noite branca.

 

Sobre a lareira

uma mandíbula

dialoga com uma vela.

 

Silencioso

na sua eternidade

o lago Pyhä.

 

Deste lado da montanha

diriam

que o dia é sombrio.

 

Deste lado da montanha

não se imagina

o belo dia de sol.

 

Como a neve é a paixão

revela-se quando derrete

a merda de cão.

 

Serpenteando no céu

da noite gelada

um rio esmeralda.

 

Pyhätunturi, 02/2022

 

João Bosco da Silva

Invicta

 

Tinha recebido há uns meses, naquele mesmo quarto alugado,

Uma galega e uma trasmontana, ambas vestiam

Calças brancas quando me esperavam em frente ao Hospital de São João

E fodemos até à exaustão e à hora da última carreira,

Era agora Julho e eu afastava-te as nádegas e vinha-me

No teu olho do cu, à noite sairias de casa rua acima,

Guiada pelas lágrimas, não sei por que crueldade minha,

De manhã compraria pão fresco na mercearia da Rua Tua,

E brincaríamos aos casais felizes, inocentes como uma manhã de sol,

Despedi-me de ti na Praça da Galiza, engolia as lágrimas num silêncio

Certo do amor e dos cornos, estaríamos meia década juntos,

Entretanto a mercearia fechou, a juventude passou

E do amor resta apenas um eco familiar e vazio.

 

Turku

 

26.03.2022

 

João Bosco da Silva