domingo, 21 de abril de 2019

Pires 

Cansas-me a memória como uma pedrada no charco do meu sossego, 
Tudo isto não passa de uma ilusão causada pela distância e os cabelos brancos, 
Feliz enquanto nos dedos apenas a permissão das palavras que a saudade empurra, 
Contudo, és tão real quanto os medos que só nos sonhos se revelam 
E sei que quando penso em ti, é quando mais de ti me distancio, 
Não somos nada mais que um beijo mordido e uma promessa de amor 
Que ficou por dizer, esquecida na mesa suja de um café. 

Turku 

21.04.2019 

João Bosco da Silva 
Matraquilhos 

Desculpa-me a pressa de matraquilhos naquela noite de fim de verão, 
Não esperava que me sossegasses tão rápido na tua boca vizinha 
E me sorvesses todos os futuros que nunca nossos, arriscados à beira rio, 
Parecias um ilusionista a fazer desaparecer multidões por vir, 
Não tinha muito a dizer-te e menos a ouvir, os grilos davam-me sede 
E tu sabes que nunca nos demos bem sem o balanço do cio 
E o embalo do tesão, mas desculpa-me a pressa de matraquilhos 
E a escassez de um abraço quando tu já me tinhas abraçado 
Com tudo o que no teu corpo capaz de envolver, como se realmente 
Me amasses, ao ponto de me pedires para me vir no teu cu, 
Depois de já me teres engolido a alma toda. 

Turku 

21.04.2019 

João Bosco da Silva 
Aquele Quarto Na Escuridão 

Ainda sonho com aquele quarto onde nunca entraste, 
Cheio de vergonha, solidão e o cheiro azedo do esperma 
Envelhecido que as paredes escondiam, os dias pareciam cair 
Como o pó dos séculos e do silêncio absoluto 
Espremiam-se as violências dos vizinhos, 
Cobria a cor da vergonha com esboços apressados de sonhos de mãos fechadas, 
As manhãs pareciam nunca ter mais que a luz de um sol de Janeiro, 
Mesmo nos quarenta graus de febre, de um verão de ruína, 
Ainda sonho com aquele quarto sempre cheio da tua ausência, 
Com a igreja em frente, bela como o acordar de um pesadelo de Inverno 
E acordo sem levar o dinheiro ao senhorio cheirando a fritos, 
Como se com isso nunca lá tenha vivido na companhia do pó. 

Viena 

16.04.2019 

João Bosco da Silva 

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Beirut 

Há dez anos que me julgo velho, só agora estou certo, 
Não sei quem me apresentou à fome de concertina, 
Tenho ideia de que foi a amante turca numa carta 
Que escondi demasiado bem, do perfume tenho a certeza, 
Mesmo que a direcção da memória, desorientada 
Por tempestades que fui conhecendo por acaso, 
Acho que ela vive em Gales, com um velho da minha idade, 
Mudou o apelido, a cor do cabelo ou foi a humidade, 
Ou o vermelho envelheceu, afinal éramos jovens, 
As uvas daquele porto vintage a poucos meses de maduras, 
Mas quando o cheiro a bagaço no ar, já andava a enganar frios 
Com a prima na serra, ainda casada com desilusões, 
Só continua a fome à concertina e sonhos de americanos 
No mediterrâneo, a vontade de ser feliz à chuva no verão. 

Turku 

11.04.2019 

João Bosco da Silva