sexta-feira, 29 de março de 2019

Andar Aos Pássaros 

Lembro-me bem do sabor do chumbo entre os dentes, 
Do cheiro a musgo e infância nos dedos cada vez menos meus, 
A arma de pressão tinha vindo da Espanha, para matares os pardais, 
Disse o meu pai, eu preferia atirar às molas da roupa na corda do estendal, 
O pequeno pássaro na mira, nervoso, vivo, um pedaço de céu castanho, 
No meu dedo o poder de o transformar num número, 
O meu coração como o punho pequeno, tão vivo quanto ele, 
O pedaço de chumbo que há pouco entre os meus dentes 
Agora entrando no corpo pequeno do animal, apagando-o, 
O coração acelerando os passos de encontro à victória, 
Que afinal, um pedaço de céu destruído, pequenino, 
Uma agonia em miniatura do tamanho de todas as agonias, 
Eu mais pequeno que o chumbo, que o corpo onde agora o chumbo, 
Um orgulho envergonhado, aquele bicho ainda quente, 
Nas mãos cada vez menos minhas mãos, agora mais metal 
Que o aconchegante cheiro a musgo e infância, 
Mais um, como mais tarde mais uma, quase a mesma vergonha, 
O desencanto de acertar, de entrar, porque é o que esperam de ti. 

Turku 

29.03.2019 

João Bosco da Silva