sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

É O Que Se Arranja

Quando há demasiado vazio, aquele que nos empurra para a inconsciência
Do sono, os vidros das janelas demasiado silenciosos, nem embalam
O ritmo dos versos que dentro a fazer de ovelhinhas a adiar a queda,
É o que acontece, quando a chávena quase vazia e a garrafa a ser só ecos
Dentro, enquanto se espera uma resposta ou um olhar a reconhecer
Que estamos vivos, durante um lenço de papel e um esquecimento
De bolso ou a necessidade maior, na espera de uma partida, como
Se a própria espera não fosse já ter partido, quando os passos
São tudo o que nos acompanham e o ranger é a certeza que ainda somos
Um peso qualquer neste planeta de voltas e mais voltas, sincronizadas
Pelo relógio adaptado às necessidades da solidão universal,
Daí isto não precisar de ritmo, os segundos esticam e encolhem
De acordo com a velocidade dos dedos ou da ausência de gente
À volta deles, isto é o que acontece quando matam aquele que nunca morre
E nem se quer ver, porque no fundo é só para que hajam mais olhos
Na direcção do vazio, quando o vazio tudo o que empurra isto
Para onde a luz que tudo revela, isto, que é apenas o que há, quando
Nada mais parece haver, a não ser segundos que passam por nós,
E só o eco das células que morreram a deixar o vazio que inquieta
A nossa sensibilidade de inútil testemunha do desperdício próprio,
O que esperas, a estas horas é tudo o que se pode arranjar, um poema.

26.12.2014

Turku


João Bosco da Silva
Reminiscências Natalícias Em Toalha Azul

Que tal vai por aí o tempo, ainda há tempestades vindas de África,
E morrões de areia e esperma na praia dos encontros súbitos das noites anteriores,
E esse Natal, como se passou sem a toalha azul a limpar a barriguinha que ao contrário
Do esperado pela entropia e a natural fome humana, encolheu, não pela contínua
Digestão de futuros esquecidos em pequenas mortes, o meu digo-te,
Já foi pior, com duas formas de cozinhar bacalhau em forma de solidão vingada
No degelo ao pé do aeródromo quase escondido do Google map,
A vida tornou-se em algo muito estranho para quem não fez mais nada
Dela a não ser vivê-la, as certezas agora muito menos que há uns dez,
Cinco anos atrás, a areia parece que acelera e deixei quase tudo o que faz mal,
Agora quase que sou um exemplo, num canto, onde ninguém quer pecar,
Que boa pessoa se é quando a felicidade não se nota na noite curta da existência
Dos outros, passar silenciosamente, uma raposa sem rabo a enlouquecer
Entre uma rede e outra, devias lembrar-te de mim, ao menos no Natal,
Afinal de contas estavas armada em Pai Natal e perguntavas-me o que queria,
Eu como sempre, isso ainda não perdi, estava bem com o que de ti me envolvia,
Nunca me queixei muito, em vez disso poesia, que incomoda só aqueles
Que em vez de fazerem poesia da vida querem fazer vida da poesia,
Deviam acreditar em quem raramente faz a barba e passa fome por
Ou sem obrigação, apesar de a neve ter substituído a areia e a possibilidade
Do contágio ter sido substituído pelo contágio confirmado dos outros,
Isto continua a ser um poema sobre o Natal, os universos sobem e descem neste
Mesmo, e deve haver um onde o tempo, tempo, tempo, o mesmo,
Com vinte e cinco graus ressacados na manhã de Natal, com os tomates
Vazios, ou menos cheios, em direcção ao futuro, a este poema longínquo.

Turku

25.12.2014


João Bosco da Silva