quinta-feira, 17 de junho de 2021

Almoço em Boa Companhia

 

Ao almoçar num banco de jardim com uma gralha-de-nuca-cinzenta,

Com quem partilho o meu cachorro-quente, bem frio, do Lidl,

Dou-me conta, que se calhar, fui realmente poeta, agora não,

Agora vejo apenas, vejo que rapidamente as palavras escritas

Se esquecem, porque não foram lidas, mal se apagou o brilho

Da juventude e já o interesse desaparece, ao menos a gralha,

Dá-me a atenção de todos aqueles olhos cinzentos,

Eu sei que a vontade é de um pedaço do pão, mas ao menos

Não finge interesse nos belos rabiscos de merda, que deixo

No bloco ridículo, que já não é mais que um hábito,

Como sacar mais um cigarro no meio de um fumo de aborrecimento,

Também isso deixei, pensei que me salvava com um comprimidinho,

Todos os dias ao acordar, mas não vou andar a obnubilar

A minha vontade de que todos se vão foder, não me parece

Que andar a cheirar rosas e cantar primaveras, a esta época

Do apocalipse, seja uma atitude saudável, fui poeta,

Agora como cachorros-quentes em bancos de jardim na companhia

De gralhas, silenciosas, como gosto, sem sequer um Acho que devias,

Nem um Seria melhor se, nada, uma fome silenciosa, simples,

E a primavera lá vai, como muitos lá foram, agora que se foda,

Poetas há muitos, acho que é uma questão de conseguir aguentar

A queda nas graças, um equilibrismo entre meia dúzia de versos

E um bater palmas, o tempo tornou-se demasiado curto,

Não há tempo para alimentar bois nem burros,

A palha custa madrugadas e muitas garrafas de vinho,

Palmadinhas nas costas e sorrisinhos falsos matam a fome

A quem tem a barriguinha cheia, vamos gralha, já não

Estamos para esta merda, vamos, antes que alguém dê por nós.

 

 

Turku

 

17.06.2021

 

João Bosco da Silva