sábado, 8 de outubro de 2022

 

Borralho II

 

Bastava um canto vazio num bairro plantado num luar de Agosto,

A ideia do amadurecer das romãs antes do Inverno, o meu esperma

Que te humedecia as cuecas numa tarde ainda quente de chuva,

Abrigados do desencanto que o futuro sempre reserva,

O amor era pouco mais que a eternidade, um infinito em forma de açúcar

Derramado numa mesa de café da província, esquecer tudo

Por uma vontade maior que qualquer fome, bastava um corpo

No outro, mas o inverno consegue ser tão longo e frio,

E os anos oxidam até o brilho das estrelas, a verdade, quando o caudal

Do rio agoniza na canícula, mostra-se como os sacos com ossinhos

Dos cães e gatos que foram lançados da ponte romana,

Então basta uma palavra para a bílis se derramar na remela fresca,

Fode-se numa pressa de carne que descongela no saco da mercearia,

Só porque em casa não há um canto que não tresande ao que trazia

O luar às noites de geada e sabor ao vinho já vinagre,

Quantas vezes se repete a mesma história antes do cansaço

Nos impor uma responsabilidade do tamanho da morte.

 

Turku

 

08.10.2022

 

João Bosco da Silva

 

Borralho

 

Era fácil, engolia-se a escuridão e o vazio dos dias,

Olhavam-se as paredes com força suficiente para lhes destilar

Da humidade outros significados, acreditava-se ainda

Que era possível sair-se do tempo enquanto se batia um verso,

Tornava-se a realidade palpável, mesmo que apenas no passado,

Traziam-se os dias quentes de volta, o cheiro a cona aos dedos,

Enquanto na cama ressonava o cansaço dos lábios nos outros,

A poesia fazia sentido, os dedos deixavam-se levar por um tremor

Embalado por uma harmonia quase divina, era fácil,

Bastava um copo cheio da fase que fosse, no fim o resultado

O mesmo, mas ao menos um alívio arrancado da melancolia

Eterna do cair de uma folha, na sua leveza a felicidade oxidada,

Agora isto, não esperar nada das palavras, atirar versos

De barro à parede a ver se a luz se acende e a noite longa

Como um inverno sem vinho, morre-se tantas vezes

E todas as palavras deste mundo, não tocam sequer a eternidade.

 

Turku

 

08.10.2022

 

João Bosco da Silva