terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Poema Sobre Cuecas

Quase me comovo, quando dobro as cuecas dela, tão pequeninas,
Breves pedaços de inocência, quantos homens lhas terão despido
E ela a levantar as nádegas, oferecendo-lhes o caminho para o mergulho,
Quase sem nomes, alguns ao menos a ideia de um país,
Quantas vezes terão humedecido em segredo, na rua,
Cruzando-se com aquela boca fácil, ou aquelas mãos brutas,
Aquele batom, aquela barba, olhares presos numa possibilidade
Que acaba por secar, uma preparacão inútil para receber ilusões,
Quem as terá elogiado antes de jazerem no chão de um quarto estranho,
Antes do alívio ou nem isso, apenas um já está, para nada, como tudo,
Umas cuecas limpas agora, encartadas, prontas para encerrar memórias futuras,
Quase me comovo com o gesto, ridículo, como escrever
Um poema assim, como quem limpa o passado da gaita.

08.12.2018

Turku

João Bosco da Silva
Trio

Lembras-te daquela noite em que acabamos por praticar boxe,
Deixaste-me um tomate negro e o olho a arranjar desculpas,
Ela veio porque disse que tinha gostado do meu casaco,
Da cor dos meus olhos, não sei, do facto de ser francês,
O namorado a perguntar porque ia connosco,
A minha barba na altura nem sequer barba,
Em tua casa ninguém na cama à espera, ela lá foi,
Quase a chegar onde hoje não faço ideia,
Tu em vez de me empurrares ponte abaixo,
Saltas-lhe na garganta, quase lhe provavas o jantar com a língua,
Houve sequer elevador, não sei, cerveja italiana,
Eu de joelhos na cama à janela a fumar um cigarro emprestado
E tu outra vez, a enfiar-lhe a língua até à alma,
Mãos dentro das calças, a olhar para mim,
Pisca-me o olho, eu cá para mim, vais foder esta merda toda,
Ela olha para mim à janela, começa a chorar,
Que raio estou a fazer, fodasse, eu nem um pouco de cinza na cama,
Bem-comportado, tenho que ligar ao meu namorado,
Eu não sou assim, ninguém é, mas todas têm sido,
Penso eu de mão limpas, não vás, bebe mais uma,
Deixa-a ir, dizes tu, depois fodes-me a bentas enquanto
Te conto sobre noites em que não me pareceu perder tanto
Como naquela, dizes que ela voltou, acredito.

03.12.2018

Turku

João Bosco da Silva
Mandar Foder

Tenho escrito sobre muito o que foi esquecido com dois dedos garganta adentro,
Tenho iluminado remorsos nos olhos que esqueceram a inocência do pecado,
Tenho desperdiçado o nome da poesia no meu medo de perder nadas,
Tenho andado a ensaiar despedidas há meia vida e nada,
Tenho perdido mais amigos do que os que tenho esquecido,
Tenho dito muito pouco com muitas palavras, e até isso é demasiado,
Tenho guardado o silêncio para quando todas as pedras me caem em cima,
Tenho sido ridículo, barulhento e tenho tido saudades de muros de pedra
Quando devia ter sido sério, certeiro e fresco como água canalizada,
Tenho pouco, cada vez menos, de mim sobra um nome,
A vontade de mais uns versos, porque me sinto escorrer pelos buracos do pão,
Um desperdício de manteiga nas torradas em casa da avó,
Tenho dito, mas nada que mereça uma encadernação de tímpano,
Cera de ouvido de burro, trompa fecundadora de palheiro do Xavelhas
Nos olhos incrivelmente pérfidos de uma infância com mãos amarelas,
Não pelas garrafas de Snappy em vidros de casa do povo,
Mas pelo cheiro a cu e a punheta em cima de fardos,
Tenho deixado divagar o copo depois de vazio,
Tenho perdido o rumo, quando me devia perder completamente,
Tenho-me agarrado demasiado tempo a erros para justificar a minha humanidade,
Mas não tenho mandado à merda o suficiente,
Não tenho mandado foder que chegue,
Espero que cheguem lá, desculpem a pressa nas curvas.

03.12.2018

Turku

João Bosco da Silva