domingo, 15 de maio de 2022

 


Fim dos Tempos

 

Chegar ao fim dos tempos, neste quarto, onde pela primeira vez

Beijei a humidade febril entre as pernas de uma adolescente

E depois fascinado ao espelho, contemplando as gotículas viscosas

No buço dourado, café sobre a mesa, que sorvo ao ritmo dos versos

E do tempo, a janela aberta para a figueira onde o meu avô,

Com saliva cirrótica, tentava colar um pedaço de papelão

A fazer de alvo, para me ensinar a ser homem, antes de morrer,

Segurando uma caçadeira soviética, este quarto, onde a paixão violenta,

Suportava a minha fome canibal de cu e geadas, onde regressaria,

À mesma fome, anos depois, em noites ébrias de vinho tinto

E aguardente, até ao alívio redentor de uma ejaculação pulsante

E profunda num pequeno cu loiro, insaciável por força e dor,

Ao lado da chávena um livro publicado no glorioso ano de 2015,

Tão distante como o esquecimento que, entretanto, me tem cobrido,

No fim de contas, nunca passará disto, um exercício de silêncio violento,

Um alívio de dedos e memória, uma tentativa inútil de confirmar

A existência, enquanto se bebe uma chávena de café no fim dos tempos.

 

Cidões

 

13.05.2022

 

João Bosco da Silva

 


Café des Deux Moulins

 

Até que deixei de ser alguém para ti, era o teu filme favorito,

Apesar de não seres francesa, ajudava a perceber-te um pouco,

Querias ser livre, foder quem te apetecesse, nem que isso

Por razões de catecismo ou sabe-se lá que ridículo,

Fossem doer ao coraçãozinho de corno de um acólito,

Contudo, eras romântica e chupavas-me a gaita em becos

A caminho das festas em casa das tuas amigas,

A vida é um carrocel, dizias, querias dizer carnaval,

Não sei se por dar voltas e voltas, não sei, só vi mesmo aquele

Ao fundo do Sacré-Coer, como no teu filme favorito, poucos mais,

Abriste-me o mundo, que cliché merdoso, partiste-me o coração,

Quando estava em desertos, primeiro de gelo, depois de areia,

Ensinaste-me a perder o que realmente nunca possuí,

Enganadores os romances e tudo aquilo no que queremos acreditar,

Falavam em possuir, quando na verdade um pedaço de carne

Entrava noutro, era o teu filme favorito, se calhar ainda é,

Não sei, cada vez mais, há anos que não falamos, contudo,

Estou aqui, no café do teu filme favorito, a pensar em ti,

No teu vestido de primavera, enquanto o lago Saimaa

Se partia em blocos de distância, num degelo que preparava tudo

Para o que veio, isto, que é a vida que me trouxe aqui.

 

Paris

 

27.04.2022

 

João Bosco da Silva

 

O Teu Aniversário

 

Hoje é o teu aniversário, no meu copo o sol mergulha

Nos primeiros rebentos mal verdes desta primavera distante,

É Chablis, como o poema que mereceu apenas o teu silêncio,

Tonaste-te verdadeiramente num sonho, ou numa memória

De alguém que de alguma forma morreu, ainda me lembrei

De ti, numa daquelas nossas ruas, no Porto, quando nunca nós,

Mas andava com pressa, porque ao fim do dia, teria que apanhar

O avião em direção ao esquecimento onde tenho vivido,

Logo passou, o sol mergulha, arrefece, este dia esquece-se,

Cheguei de férias e as plantas secaram, ninguém as regou,

Estiveram para aqui a escrever poemas de clorofila

Para o vidro da janela que as regava com silêncio,

Hoje é o teu aniversário e sim, também hoje há vinho.

 

Turku

 

15.05.2022

 

João Bosco da Silva