segunda-feira, 28 de junho de 2021

 

O que de Nós Fica 

 

Que triste o que de nós fica, uma perna de pau, um andarilho, 

Uns calções porque morremos no verão e uma t-shirt velha, 

Porque foi tudo à pressa e nem tempo tivemos de nos despedirmos, 

Quase uma vida enfiada em rodilho num saco de plástico, 

Branco como o tecido de papel que nos cobre, tudo uso único, 

Pendurado num punho do andarilho, onde apoiávamos o cansaço, 

A escultura grotesca do essencial de uma vida, 

Que dois homens, tresandando de desodorizante barato, 

Vem buscar, e no caminho da patologia, falam dos casos 

Novos de Covid, trazidos de São Petersburgo, depois 

Do país deles ter sido eliminado, parece impossível que a vida 

Continue quando deixámos de ser, mas o mundo realmente, 

Nunca precisou de nós, fomos tudo e num momento nada, 

O que tocámos continua e por vezes um desconhecido, 

Que passou a noite inutilmente a agarrar-nos à vida,  

Escreve-nos um poema, como se não fosse também em vão. 

 

Turku 

 

27.06.2021 

 

João Bosco da Silva

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Almoço em Boa Companhia

 

Ao almoçar num banco de jardim com uma gralha-de-nuca-cinzenta,

Com quem partilho o meu cachorro-quente, bem frio, do Lidl,

Dou-me conta, que se calhar, fui realmente poeta, agora não,

Agora vejo apenas, vejo que rapidamente as palavras escritas

Se esquecem, porque não foram lidas, mal se apagou o brilho

Da juventude e já o interesse desaparece, ao menos a gralha,

Dá-me a atenção de todos aqueles olhos cinzentos,

Eu sei que a vontade é de um pedaço do pão, mas ao menos

Não finge interesse nos belos rabiscos de merda, que deixo

No bloco ridículo, que já não é mais que um hábito,

Como sacar mais um cigarro no meio de um fumo de aborrecimento,

Também isso deixei, pensei que me salvava com um comprimidinho,

Todos os dias ao acordar, mas não vou andar a obnubilar

A minha vontade de que todos se vão foder, não me parece

Que andar a cheirar rosas e cantar primaveras, a esta época

Do apocalipse, seja uma atitude saudável, fui poeta,

Agora como cachorros-quentes em bancos de jardim na companhia

De gralhas, silenciosas, como gosto, sem sequer um Acho que devias,

Nem um Seria melhor se, nada, uma fome silenciosa, simples,

E a primavera lá vai, como muitos lá foram, agora que se foda,

Poetas há muitos, acho que é uma questão de conseguir aguentar

A queda nas graças, um equilibrismo entre meia dúzia de versos

E um bater palmas, o tempo tornou-se demasiado curto,

Não há tempo para alimentar bois nem burros,

A palha custa madrugadas e muitas garrafas de vinho,

Palmadinhas nas costas e sorrisinhos falsos matam a fome

A quem tem a barriguinha cheia, vamos gralha, já não

Estamos para esta merda, vamos, antes que alguém dê por nós.

 

 

Turku

 

17.06.2021

 

João Bosco da Silva


terça-feira, 15 de junho de 2021

Bibliografia  

 

Foram oito a mais, que desperdício de confiança e polpa, 

Quanto bom cu não teria tido papel leve e limpo, 

A maior parte das vezes só porque 

Não havia nada melhor para fazer, 

Ou não havia cu e só a vontade,  

Haja agora juízo e poupe-se a vergonha 

E o arrependimento, as palavras não salvam 

E nem elas são eternas, escreva-se para o vazio. 

 

Turku 

 

15.06.2020 

 

João Bosco da Silva

segunda-feira, 7 de junho de 2021

 

Prova de Vinho

 

Ela chega-se a mim, desvia as cuecas para o lado esquerdo

E diz-me, lambe-me a rata, até o vinho te vai saber melhor,

Pouso o copo e meto-me ao trabalho, enfia a língua mais fundo,

Isso, pouco depois afasta-se e senta-se na cadeira em frente,

Retomo ao vinho e tinha razão, o châteuneuf-du-pape

Parece mais amanteigado e com outros traços de levedura.

 

Turku

 

04.06.2021

 

João Bosco da Silva

terça-feira, 1 de junho de 2021

 

O Ramo da Viúva

 

Cortaram aquele ramo no jardim da catedral

Em que te debruçaste enquanto te fodia por trás,

Manteiga derretida no pão centeio aberto sobre

As tenazes à lareira da casa da avó, aposto que naquela lata

De açúcar até o amor ressuscita, como as chiclas já sem sabor,

O teu marido morreu jovem, onde te debruçarás agora,

Espero que tenhas uma lata de açúcar,

Onde possas guardar o coração.

 

Turku

 

01.07.2021

 

João Bosco da Silva