segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Debaixo da Figueira 

 

No verão a sombra daquela figueira enchia-se de diferentes sotaques, 

De netos e filhos, havia vida atrás daquele muro, que os gatos ignoravam 

Como qualquer fronteira ridícula, às vezes quando não havia outras vozes, 

Ouvia-se falar com o cão ou com as galinhas, nos invernos havia um silêncio frio 

Debaixo da figueira nua, a humidade aos poucos depositava-se nos ossos, 

Fazendo pesar os anos e com o peso dos anos, cada vez menos vozes 

Debaixo da figueira, nas tardes de canícula, quando me julgava só, 

Debaixo do marmeleiro, matraquilhando contra mais uma ressaca, 

Ouvia o roçar dos ramos da figueira no muro, não era um gato, 

Não era o vento, então ouvia-a a ela, que me chamava e deixava 

Sobre o muro um saco com um tupperware, quando adivinhava 

Que eu por ali, logo apareciam uns dormidos, depois surgiam 

Umas análises que impotente lia e dizia o que já era sabido estar mal, 

Aqueles malditos diabetes e tinha razão, nunca lhe reconheci uma palavra 

Que me ofendesse, mesmo quando era garoto e ignorava, como os gatos, 

Fronteiras e muros, envelheceu debaixo daquela figueira, chamava-se Esperança. 

 

Turku 

 

16.11.2020 

 

João Bosco da Silva