Glória
Ainda crescerão as rosas como se quem as plantou nunca tenha
sido,
O senhor Zé, que sempre me convidava à adega, para partilhar
comigo
O seu tesouro, guardado numa ruína escura e poeirenta, onde
adivinhava
Teias de aranha e promessas de cirrose como a do avô morto,
Pena nunca ter tido idade para lhe agradecer sem o não
atrás,
Engolir com gosto a zurrapa sagrada daquelas pipas humildes,
Sentir esgaçar a alma esôfago abaixo, até cair no estômago
Como um consolo doloroso ou uma doçura triste, o que resta
de nós,
Quando só as rosas persistem contra uns muros cariados,
Apontando janelas abertas a céus arruinados e cinzentos,
Estamos aqui e já não estamos, ficamos espalhados por
memórias
Inesperadas, uns vasos com flores em cima de um tanque que
ninguém usa.
29.12.2020
Turku
João Bosco da Silva