sexta-feira, 30 de agosto de 2019

No Restaurante Avissinia 

com Rimbaud, Platão, Sócrates, Henry Miller, Confúcio e Tatiana Faia 

Cheguei ao ponto em que nunca traficarei armas na Abissínia, 
Fiquei encalhado nas minhas vírgulas e versos tão longos como vazios, 
Consegui sentir-me invisível na Acrópole, sorri até por me lembrar 
Daquela noite de Julho quando li o Banquete de Platão, 
E me pareceu mais cheia do que todas as pedras nuas, 
Já pouco espero da amizade, muito menos ser salvo de um abismo 
Que o meu próprio vazio escavou, mas afinal há quem nos encontre 
Ao fim de uma tarde de pesadelo em ar-condicionado e nos leve 
A ver, entre pinheiros, uns buracos numas rochas, que uma prisão, 
Onde dizem Sócrates ter estado preso, e nos liberta, o mestre disse, 
Não uses o canhão para matar mosquitos, ou algo do género, 
Numa outra noite que nunca aconteceu, esta tarde foi verdadeira 
E o cansaço nem ousou impor-se quando a invisibilidade sucumbiu 
À amizade, vomitei ali mesmo todas as sementes de girassol, 
Como se de um vazio se tratasse e fomos jantar ao restaurante Avissinia, 
Parece tudo tão breve quando se trazem ruínas dentro. 

Turku 

30.08.2019 

João Bosco da Silva
Ave-Marias 

         “Para chegar à luz                               
tens de te apoiar na tua sombra.” 
Adonis 

Chegou o último ferry, Kerouac está em Nova Iorque e é Novembro, 
Fumo um cigarro lento e penso no poeta amigo em Bucareste, 
Os vizinhos falam um idioma qualquer, só compreendo o desembrulhar do mar 
Nas rochas quentes, as cigarras cantando verões eternos e impossíveis, 
Somos feitos disto, palavras e crepúsculos, com ou sem sinos, 
Distâncias que se trazem sempre bem junto ao nome e ao que nos 
Falha uma só vez, tanta vida nas casas brancas da ilha em frente, 
Nunca escreverei sobre nenhuma delas, faltam-me dedos, 
Tenho ao menos olhos para todas as montanhas, como fome 
Pelas pregas de carne que se desenrolam rosadas na minha vontade rochosa. 

Agistri 

14.07.2019 

João Bosco da Silva