terça-feira, 9 de março de 2010




Formigas de Asa

ao meu primo Rafael


Ainda as formigas na terra onde não formigas,
Só passos que lhe caem, ainda no ar, sempre,
Com as formigas sem estarem mais, só porque foram tantas no crepúsculo,
Só porque a atenção para as asas se as tinham,
Para enganar os pássaros com uma fácil morte, mas para eles.

Agora nada. Formigas, só as sombras que elas deixaram,
Algures, na região occipital, como um teatro de sombras
Contra uma parede de osso onde tudo, o meu tudo e o tudo que é possível ser,
Quando os meus olhos se abrem e o mundo entra e fica...
Até quando? As formigas agora que o Sol já não se vê em lado nenhum,
Só as sombras crescem e um resto de calor no ar a permitir os passos,
Que caem na terra onde não formigas,
Só a antecipação de mais um passo,
Mais uma marca onde nada,
Sem formigas apesar das sombras dentro a confundirem-me.
Para quê? Já não interessa, a cabaça está cheia,
Amanhã os pássaros cairão no engano e serão formigas a fazer sombra.
A morte é só uma sombra que fica em nós quando não é a nossa sombra que nos cai nos olhos.
As formigas, tantas, enquanto caminho, eu com medo de as pisar,
Apesar de levantar os pés, a marca do passo e as formigas ainda a viver,
Cá atrás, dentro, onde a comichão me pede os dedos de uma mão,
Na nuca do embaraço quando uma palma, porque não há formigas e eu a vê-las.
Olha tantas, também as vês? O escuro a crescer e o tempo a ir-se,
Os olhos ou quem lhe diz o que ver, enganados.

As formigas de asa a crepitar dentro da cabaça,
Como um fogo vivo, colectivo, negro,
Num roçar de asas transparentes, reais e eu seguro que elas ali,
Na cabaça que na minha mão suada e eu sem a sentir,
Vendo as formigas que ainda insistem em se mostrar,
Sem estarem mais.


Rantasalmi

09.03.2010

João Bosco da Silva