quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

 

Uma pausa para a eternidade

 

Nas folgas, costumava sentar-me num bar

E depois de uma ou duas cervejas, surgiam os poemas,

A caminho de casa, sentia-me leve, salvo, como depois

De uma confissão,  não me lembro da última vez

Em que me sentei num bar e escrevi na companhia

De uma cerveja e do então sempre presente moleskine,

Quero acreditar que esses momentos se reflectem ainda

Na eternidade, como aqueles que partiram,

Cuja existência perdura nos ecos, nos passos,

Que trouxeram tudo ao que é neste momento,

No entanto, sento-me agora na biblioteca,

A caminho do centro da cidade em procura

Deste alívio, cada vez se tem menos tempo

Para contemplar o que somos na passagem,

Relembrar quem só em sonhos agora nos visita.

 

Turku

 

14.13.2023

 

João Bosc da Silva

Reminiscências e Dois Sacos de Mercearias

 

Lembro-me bem que estava na segunda cerveja,

Já estava embalado numa confissão ridícula,

Porque o dia vazio, e a reminiscência de um pecado

Antigo, o melhor entretenimento num dia cinzento,

Tu entras pelo bar adentro, com dois sacos de mercearias,

Como calçada num templo, uma invasão, um sacrilégio,

A realidade do nosso lar, num espaço de meditação

E transgressão retrospectiva, senti-me quase

Envergonhado, como se me apanhassem

A bater uma punheta, na verdade, só não

Estava a foder uma das habituais porque

Não era hora disso, tive pena também,

Aqueles dois sacos de mercearias,

Que comeríamos juntos, como se tudo

Estivesse bem e não fosse tudo uma questão de tempo,

Aguentar o teatro porque não se sabe

Ao certo quando a peça acaba, sobreviver ao tédio

E à vontade de ver tudo absorvido pelo mesmo vazio,

Ir para casa com um dos sacos onde o papel

De cozinha que usarás para limpar o esperma da tua pele.

 

Turku

 

14.12.2023

 

João Bosco da Silva