sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

 


“Um Comboio para a Lapónia”[1]

 

Como um amor antigo

o Sol toca

a barba gelada.

 

Silenciosamente

parte o comboio

quase vazio.

 

Quem pisará este chão

quando a neve

uma recordação?

 

Que respostas procuro

na lareira

que crepita?

 

Aproximo as meias de lã

à lareira estrangeira –

quando um abraço?

 

Rodeado por silêncio

branco

a noite estende-se.

 

Enquanto as batatas

cozem

o peixe espera.

 

Que palavras dançam

nas chamas

desta lareira?

 

Dois livros

meia-dúzia de paus

e uma noite.

 

Protegido por madeira

queimando madeira –

nem uma queixa.

 

Uma chávena de café

uma lareira

e todas as distâncias.

 

Sobre o mesmo galho

corvos e pombos

aproveitam o Sol.

 

Na mão nua

derrete

um punhado de neve.

 

Nos olhos do peixe

uma vida inteira

que passa.

 

No fuso de gelo

o brilho inteiro

de uma estrela.

 

Arrefecem as brasas

nunca esquecerei

as chamas.

 

Iluminado pela lareira

brilha na tua pele

o meu esperma.

 

As crianças fazem

o boneco de neve

como se o Inverno interminável.

 

Neva sobre a pegada

brevemente

ninguém passou.

 

O bruxulear

das últimas chamas

numa noite gelada.

 

Não sabes quão longa

será a noite –

aproveita a última chama.

 

Nunca conseguirás

reacender o que ardeu

até às cinzas.

 

Subir a montanha branca

descer a montanha dourada –

anoitece.

 

Amanhece na montanha

encolhido chego-me

à lareira apagada.

 

Preparo-me para descer

a montanha –

começa a nevar.

 

Esta dor nas costelas

ao inspirar

porque estou vivo.

 

Morreu-me

um amigo –

é tudo.

 

Voltei a sonhar

com o meu amigo –

dia de sol.

 

Reflexo na janela

do comboio –

que fiz dos anos?

 

Pyhä, Fevereiro 2021



[1] Título pela Tatiana Faia