quinta-feira, 16 de junho de 2016

O Cemitério Somos Nós

“pobres girândulas finais dos destinos anónimos.”

António Lobo Antunes

O cemitério somos nós, enchemos num dia de chuva, todos os papéis
Que se perderam, todos os sorrisos que se lavaram, todos os nomes
E acima de tudo, todos os que nos foram e aqueles que não quiseram
Que fôssemos neles, todas as portas  fechadas com flores podres à entrada,
Os autocarros que partiram para a felicidade que se lhes imagina
E os que ficaram avariados nas garagens colonizadas por aranhas,
Todos os porcos nas manhãs geadas e o sangue quente a fumegar
Nos olhos dos vivos que fogos fátuos no verão, todos ao cemitério
Num dia de chuva entre dias quentes, todos os amigos a quem
Lhes falhou o tempo ou a vontade ou a vida, todas as curvas da estrada
E dos rios, todas as noites estreladas e as manhãs do mergulho no nevoeiro
Em direção aos bons-dias sempre quentes sem ponta de nariz,
O cemitério somos nós, onde todas as cidades convergem e se esmagam
Todas as ruas os mesmos segredos, cada árvore um gemido de madrugada,
Cada sonho uma derrota acordada, e todos os lábios nos olhos fechados
Em forma de lápide que muda de cor sob o céu que se desfaz numa tristeza universal.

16.06.2016

Turku


João Bosco da Silva

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