O Cemitério Somos Nós
“pobres girândulas
finais dos destinos anónimos.”
António Lobo Antunes
O cemitério somos nós, enchemos num dia de chuva, todos os
papéis
Que se perderam, todos os sorrisos que se lavaram, todos os
nomes
E acima de tudo, todos os que nos foram e aqueles que não
quiseram
Que fôssemos neles, todas as portas fechadas com flores podres à entrada,
Os autocarros que partiram para a felicidade que se lhes
imagina
E os que ficaram avariados nas garagens colonizadas por
aranhas,
Todos os porcos nas manhãs geadas e o sangue quente a
fumegar
Nos olhos dos vivos que fogos fátuos no verão, todos ao
cemitério
Num dia de chuva entre dias quentes, todos os amigos a quem
Lhes falhou o tempo ou a vontade ou a vida, todas as curvas
da estrada
E dos rios, todas as noites estreladas e as manhãs do
mergulho no nevoeiro
Em direção aos bons-dias sempre quentes sem ponta de nariz,
O cemitério somos nós, onde todas as cidades convergem e se
esmagam
Todas as ruas os mesmos segredos, cada árvore um gemido de
madrugada,
Cada sonho uma derrota acordada, e todos os lábios nos olhos
fechados
Em forma de lápide que muda de cor sob o céu que se desfaz
numa tristeza universal.
16.06.2016
Turku
João Bosco da Silva
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