quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Madrugada






Cesárea Tinajero


Queria acordar só mais umas vezes de joelhos esfolados da bicicleta
Numa manhã de Julho em casa da minha avó, longe deste whisky,
Que sinto subir esófago acima, depois da queda, armado eu em vulcão
E na boca um gosto a últimos dias de Kerouac, ferro, cobre, não sei,
O cheiro dos dedos negros ao luar depois de dentro dela no cemitério,
Também gostava de ter recebido beijos à janela das miúdas que vinham
No Verão da capital, mas nunca tive sotaque de telenovela,
Foram destas ausências que se fez o meu caminho até à poesia,
Nunca vi certo filmes antes do fim dos anos noventa, nem na televisão,
A primeira vez que os vi foi nos lábios dos amigos com pais mais tolerantes
Às contas da luz com madrugadas incluídas, no fim de contas deu tudo
Na mesma merda, só que acabei por ir até onde os tais filmes acabavam,
Hoje sou todas as estações de metro, tão envelhecidas quanto a vontade
Que me leva à manhã seguinte, a cicatriz do joelho quase já nem se vê,
Estou a sei anos do Thomas Wolfe, ainda não tive olhos que me mereçam,
Mas são os dedos que não me seguem o pingar torrencial da tempestade de olhos secos,
Há seis anos, apesar da deriva, não estava tão perdido como hoje.

11-12-2016

Turku

João Bosco da Silva

Sem comentários:

Enviar um comentário